Julio Calmon, Jornal do Brasil
RIO - Na sua terceira passagem pelo cargo, Andrade assumiu o comando técnico do Flamengo ainda no primeiro turno, na 14ª rodada, com uma vitória de virada sobre o Santos, na Vila Belmiro. Foi a primeira vez que os rubro-negros venceram no estádio pelo Brasileiro. De lá para cá, o treinador viu o Flamengo subir. Chegou a ficar a apenas seis pontos da zona do rebaixamento. Se vencer o Botafogo domingo, às 18h30, no Engenhão, terminará a rodada a três pontos do líder. Maior vencedor de Brasileiros ao lado de Zinho, Andrade lutará pelo hexacampeonato pessoal e do Flamengo.
Quando o ano começou, você era apenas um dos auxiliares da comissão técnica do time. Chegou até a haver um pequeno atrito com o goleiro Bruno. Hoje, com o Flamengo na quinta posição, os jogadores te apoiam e você é um dos técnicos com o melhor aproveitamento do Campeonato Brasileiro. É um sonho se realizando?
Nunca imaginaria que isso fosse acontecer. Tampouco ninguém imaginaria isso. Além disso, fazemos uma boa campanha. Quando assumi, se falasse que o time iria disputar uma vaga na Libertadores, me chamariam de louco. Hoje, já falam que o time vai disputar o título.
E você tenta não dizer abertamente que o time luta pelo título.
Não penso em criar uma expectativa na torcida. Depois, perdemos uma ou duas partidas, não chegamos ao título e vão desvalorizar nossa arrancada. Fazemos uma campanha. Não quero jogar isso fora. Imagina: se eu admito e perco o título, tudo isso se desfaz.
Você tem demonstrado coerência também na divulgação da equipe titular. Não tem anunciado pelo menos até dia do jogo. Por quê?
Faço as coisas com calma. Não quero precipitação. Tenho conversado muito com as pessoas que estão comigo. Eu aprendi a ouvir. É claro que a palavra final é minha, mas tenho uma comissão técnica. Tiro minhas conclusões depois. Às vezes tenho a teoria, mas não funciona na prática. E tenho visto muitos vídeos sobre os adversários. Tem sempre um detalhe a ser observado. Você pode ganhar em um detalhe.
Muita gente não o considerava como a pessoa ideal para assumir o Flamengo após a saída de Cuca. Hoje, no entanto, seu aproveitamento é muito bom. Isso te magoou?
Você sabe que ninguém põe cara a tapa depois. Para dizer que não vai dar certo aparece um monte de gente. Mas também acho essa desconfiança normal. Muitos ex-jogadores tentaram seguir na carreira de técnico e não conseguiram. A lista é imensa. E o que mais há no futebol é desconfiança, desde que você começa como jogador.
E começar no Flamengo tem o ônus de ser mais pressionado...
Aqui a repercussão é maior. Para o bem ou para o mal. É mais pressão. Você tem que se acostumar.
Por ser um ex-jogador de prestígio no clube, campeão, e uma pessoa muito serena, há quem te compare com o Carlinhos, campeão brasileiro como técnico em 1987 e 1992?
Em alguns aspectos. Temos uma semelhança, mas ele tem o jeito dele de trabalhar.
Mesmo sem admitir que o time luta pelo título, você se tornará o maior vencedor de Brasileiros se for campeão agora (passaria a ter seis títulos contra cinco de Zinho). Já pensou sobre isso?
As pessoas me param na rua e sempre comentam isso. Me sinto orgulhoso porque quase todos os títulos foram aqui no Flamengo (Andrade conquistou o Brasileiro de 1989 pelo Vasco também).
Sente falta de ter tido uma sequência com a camisa da Seleção Brasileira?
Participei de Copa América e Olimpíadas, mas faltou uma Copa do Mundo. Mas sempre digo que ser campeão do mundo pelo Flamengo talvez tenha a mesma intensidade de vencer uma Copa do Mundo.
Marcou muito para sua geração ter como treinador o Cláudio Coutinho (morto a poucos dias de o Flamengo disputar a final contra o Liverpool, em Tóquio, em 1981). O que você aprendeu com ele?
Trago muita coisa dele, como ocupação de espaço dentro de campo, movimentação constante, ultrapassagens e evitar ter posição fixas. O Zé Roberto e Petkovic, por exemplo, jogam bem livres.
E como é a relação com os jogadores daquela época?
Júnior, Adílio, Tita, Rondinelli e Nunes sempre me ligam para conversar. Hoje mesmo estava batendo um papo com o Bebeto. O mais difícil é o Zico, porque ele está sempre no exterior.
A sua boa relação com seus antigos companheiros ficou bem explícita no jogo contra o Santos, em julho, poucos dias depois da morte do ex-goleiro Zé Carlos.
E o pior é que muita gente não entendeu o meu choro. Não foi porque a partida estava difícil e viramos. Jogo tem toda hora. Semana que vem, enfrentaremos o Santos de novo. Mas ali eu não fui ver o Zé no velório, no dia anterior ao jogo, e eu queria homenageá-lo. O choro foi pela perda de um amigo.
Como um ex-volante, como você avalia os do Flamengo?
São muito bons. O Maldonado, por exemplo, tem muito a ensinar. Ele quase não erra. Isso é importante para a posição.
Como jogador, qual foi seu maior erro?
Ser expulso na final da Libertadores, contra o Cobreloa. É aquele momento que só se tem uma vez na vida. Não disputaria outra final. Quase coloquei tudo a perder.
O Flamengo tem eleições em dezembro. Pode ser que você não seja o treinador no ano que vem. Uma boa campanha te garante ao menos boas propostas de emprego?
Não penso nisso em garantir meu emprego. Não quero pensar em janeiro. Penso, sim, em novembro e dezembro. Quero aproveitar o momento. Fazendo um bom trabalho, conseguiremos nossos objetivos. E aí provavelmente terei um mercado. Mas tenho que aproveitar esse momento. Só se vive isso uma vez.