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Gols e paz no Japão

Artilheiro da J-League e anônimo no Brasil, amapaense Patric vive sonho do outro lado do mundo

Arquivo pessoal -
Patric comemora gol pelo Sanfrece Hiroshima. O atacante brasileiro quer defender o Japão
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O amapaense Patric Oliveira levou nove anos para percorrer os 16.083 quilômetros que separam Macapá, no extremo norte do Brasil, de Osaka, no Japão. Nesta caminhada, o atacante, de 1,89m, passou por 11 clubes brasileiros, desde o Santana Futebol Clube, do Amapá, ao gigante Vasco da Gama. Não deixou saudade em nenhum deles. Hoje, às vésperas de completar 31 anos, no dia 26 de outubro, é rei no futebol japonês. Atacante do Sanfrece Hiroshima, artilheiro da J-League, Patric é o sonho de consumo do treinador da seleção do Japão e dos fanáticos torcedores japoneses, que sonham vê-lo naturalizado para poder defender e seleção do país.

Este sonho já poderia ter sido realizado e Patric disputado a Copa do Mundo da Rússia. Mas uma grave torção no joelho direito, no fim do ano passado, atrapalhou tudo. O atacante ficou sem clube, voltou ao Brasil para se tratar e acabou perdendo o visto de trabalho. Segunda regra da Fifa, para um jogador se naturalizar ele precisa jogar por cinco anos no país. Patric completaria o prazo no fim de 2017, mas completou. Teve que recomeçar do zero quando retornou ao Japão. Agora só mesmo um pedido especial do treinador da seleção poderá reverter a situação. Mas não é tão simples assim. “Com japonês não tem este negócio de dar um jeitinho. Ainda há uma possibilidade, mas não fico alimentando esperanças”, afirmou o brasileiro numa conversa pelo telefone.

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Patric comemora gol pelo Sanfrece Hiroshima. O atacante brasileiro quer defender o Japão (Foto: Arquivo pessoal)

Violência no Brasil assusta

Se conseguir a naturalização, Patric será nome certo na seleção japonesa que disputará como convidada a Copa América de 2019, que acontecerá no Brasil. O jogador nem pensa duas vezes ao responder como se sentiria se tivesse que enfrentar a seleção brasileira ano que vem.

“Jogaria sem problema algum. Tudo o que conquistei na vida devo ao Japão. Seria uma honra defender o país”, garante.

Patric chegou ao Japão em 2013. Seu filho, Felipe Salomão, tinha acabado de nascer. O menino foi alfabetizado em japonês e hoje é um nipo-brasileiro autêntico. Fala fluentemente e já lê quase tudo. Patric não chega a tanto. Como tem intérprete no clube, se acomodou um pouco. Consegue se virar sozinho, mas mesmo assim está tendo aulas para ficar mais fluente. Todos adoram o Japão. “Minha família está totalmente adaptada. Adoramos o Japão. Tenho casa em Belém e vou todo ano ao Brasil. Mas morar aí está complicado. Na última vez que fomos visitar a família assaltaram nosso condomínio. Só não entraram na minha casa porque um policial vizinho reagiu e os bandidos fugiram. Isso é impensável no Japão”.

Casado com a paraense Sônia, Patric e a família adoram comida japonesa. E não apenas sushi e sashimi. Seu prato preferido é o Katsudon. Trata-se de uma tigela de arroz, com porco empanado, um ovo e cebolinha picada por cima. “É uma delícia. Mas gosto também de um prato parecido com o yakisoba, com macarrão, queijo e bacon, além do churrasco japonês, feito na chapa. Pra quem gosta de cerveja é uma combinação perfeita. Mas eu prefiro vinho”.

Se a vida de Patric no Japão corre às mil maravilhas, dentro de campo não é muito diferente. Artilheiro da J-League com 19 gols, ídolo da torcida, só tem a importuná-lo a sombra de Jô. O ex-jogador do Corinthians, que defende o Nagoya Grampus, tem 18 gols. Uma ameaça concreta. “Ele fez 12 gols nos últimos seis jogos. Quando a gente se enfrentou falei para ele deixar a artilharia para mim. Ele já foi artilheiro do Campeonato Brasileiro do ano passado”. lembra, brincando, o amapaense.

Só tem uma coisa que tira a tranquilidade de Patric no Japão: a natureza. O frio já não incomoda tanto. Já se acostumou a jogar na neve e em temperaturas negativas. Mas os terremotos, os tufões e os tsunamis ainda são um problema. “Agora mesmo teve um tufão, seguido de terremoto, que foi foi uma loucura. É sempre tenso. Mas tem uma coisa: no dia seguinte já estavam reconstruindo tudo, com o presidente presente nos lugares mais afetados”.

Aposentadoria no Japão

O racismo também já foi um problema. Uma vez, após um jogo contra o Urawa Reds em que fez o gol da vitória, recebeu um e-mail de uma garoto japonês, dizendo que ele era um macaco preto e que tinha que morrer. Respondeu à ofensa com um texto em que dizia, entre outras coisas, que tinha orgulho de ser preto e terminava pedindo que o garoto pensasse bem antes de fazer uma coisa dessas, pois poderia magoar muito as pessoas. “Um ano depois, quando enfrentamos de novo o Urawa, os país do menino levaram ele na nossa concentração e pediram, desculpa. Os pais só choravam de vergonha. Hoje sempre que jogamos lá eles aparecem no nosso hotel. O garoto virou meu fã”.

Por estas e por outras é que quando olha para trás, Patric não tem dúvida de que seu futuro é no Japão. Para chegar onde chegou ralou muito. Lembra com orgulho da época em Santana, quando treinava de dia, estudava à noite e trabalhava num lava jato de madrugada. Mas isso tudo ficou no passado. Sua realidade hoje é Hiroshima, com uma vida financeira estabilizada e a certeza de que a qualidade de vida que encontrou do outro lado do mundo não tem preço. “Eu adoro meu país, mas quando parar vou ficar por aqui mesmo”