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'Está tudo errado', diz Gérson

Com sinceridade habitual, campeão mundial de 1970 revela desgosto pelo futebol brasileiro atual

Beto Herrera -
Entrevista com o ex-jogador e comentarista, Gérson, o Canhotinha de Ouro
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Dos 77 anos de idade, Gérson já dedicou quase 70 ao futebol, entre lançamentos, golaços, títulos e comentários contundentes no rádio e na televisão. Apesar da nostalgia de suas declarações e das perspectivas sombrias para o futuro do futebol brasileiro, segue motivado pelo que definiu como sua vida.

Em conversa de quase uma hora na redação da Super Rádio Tupi, entre uma brincadeira e outra com os companheiros de trabalho, o tricampeão mundial mostrou decepção com a última Copa, criticou as atitudes de Neymar e ressaltou a necessidade de cobrar e aconselhar jogadores jovens.

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Entrevista com o ex-jogador e comentarista, Gérson, o Canhotinha de Ouro (Foto: Beto Herrera)

O que ainda te motiva no futebol?

Tudo. Futebol é minha vida. Comecei a jogar com sete anos no futebol de salão do Canto do Rio, depois no campo, aí com 17 anos fui para o Flamengo. E a tendência é essa. Depois de parar, ou entra como treinador ou dirigente, ou entra na imprensa. Tive a sorte de entrar na imprensa aqui mesmo na Rádio Tupi.

Mas algo te encanta hoje?

Por incrível que pareça, o que menos gosto é do futebol. Esse que está aí hoje é negócio de chorar. No mundo você tira dois ou três jogadores, e aqui no Brasil está difícil tirar um. Sou de uma outra época. Tem alguma coisa errada aí. Ou é do passado, ou é de agora. Sou contra esse futebol medíocre que está se jogando. Nos meus comentários eu falo que devo ter feito alguma malcriação com o diretor ou com o presidente para me botarem nesses jogos. “Quem é o melhor do jogo?”, o cara me pergunta. Eu falo: “você está de brincadeira comigo?. Como vou tirar o melhor do jogo disso aí?”.

O que tem de errado?

Está tudo errado. Os cariocas não dão um jogador para a seleção. Agora tem o Pedro, que não é nem titular. Talvez nem entrasse nos amistosos. O Paquetá também é um menino. Antigamente, dos quatro grandes do Rio, você dava de quatro a cinco jogadores para a seleção. Tem alguma coisa errada nisso. São os clubes? Os dirigentes? E quando surge alguém da base, dois minutos depois já foi embora para a Europa.

Qual é a solução possível?

A questão é fazer um futebol competitivo, em que apareçam os grandes jogadores e não sejam imediatamente vendidos. Mas como fazer isso se os clubes estão de pires na mão? E um pires furado. Para ter patrocinador, tem que ter uma grande marca. Você tem uma grande marca, mas essa marca se sustenta em quê? Nesses jogadores que estão aí? Pelo amor de Deus!

Quem são os dois ou três jogadores do mundo mencionados?

Messi, Cristiano Ronaldo, e vai acabando. Neymar, ao invés de brigar para ser o melhor do mundo, que poderia ser, foi a chacota do mundo. Cabelinho bonitinho, arrumadinho, sem futebol. Ele não foi à Copa para isso. Foi para jogar, ser a principal figura. Ele foi fazer o quê? Cair, discutir com o juiz? Você tem que jogar, cara. Ser jogador de futebol.

Como avalia o trabalho do Tite na seleção?

Está fazendo um bom trabalho. Mas deveria dar uma pressão em alguns jogadores, principalmente no Neymar.

Neymar já não é mais um garoto. Ainda dá para mudar esse estilo dele?

O ditado é muito certo: criança que faz criança não é mais criança. Ele já é velho, chefe de família, pai. Acho que não dá. Até agora ninguém chamou a atenção dele, ninguém puxou a orelha, tirou ele do campo.

Comentam bastante da influência do pai. Ele é culpado?

Não na parte familiar, mas na profissional, sim. Tinha que chamar a atenção dele. Mas também subiu à cabeça do pai, e aí começou a querer bater na imprensa. Isso não leva à nada. E não teve ninguém para dizer a ele certas coisas. Nem os patrocinadores.

E a propaganda de um milhão para se manifestar sobre...

Sobre o cai-cai. A emenda foi pior que o soneto. Quem fez a propaganda pensou uma coisa e deu outra. Ele continuou sendo chacota do mundo.

A Copa do Mundo cumpriu com suas expectativas?

Decepção total. Tínhamos que ganhar de todos os adversários de cinco, pela seleção que tínhamos. E só ganhamos de três mortos lá. Nossos principais jogadores não jogaram, principalmente o Neymar.

Mas e da Copa como um todo, o que achou?

Fraca. E a que vem aí, a de 2022, serão quinhentas seleções. O nível já é fraco. E o pior de tudo é que o europeu, hoje ou amanhã, vai pular fora. A Copa do Mundo é ruim para eles porque é o período de férias. Aí começa a explodir tudo. Quem vai patrocinar essa Copa? Você compraria uma Copa que tem uma decisão entre Coreia e China? Tá de brincadeira.

Para o futebol brasileiro ficar mais forte, só com a seleção voltando a ter jogadores do país?

Se tiver jogador. Não pode fazer seleção brasileira com qualquer cara que está dando bico pra cima e carrinho. E alimentado pela imprensa. Porque parte da imprensa é culpada. Já falam muito dos jogadores ainda na base, como craques que ainda não são.

Essa expectativa prejudica?

Pode até prejudicar. E às vezes dá um gás maior a ele. Mas a pressão já está aí. Chamei até o Paquetá de ‘Paquemá’. Só leva tombo, só reclama. Contra o Cruzeiro ele tinha que ser expulso. Para que ele reclama tanto do juiz? Tem que jogar. Sabe jogar, então tem que jogar. E alguém tem que puxar a orelha dele, seja o treinador, seja o dirigente ou o presidente.

No futebol atual, não existe cobrança em cima dos jogadores?

Não existe. Então ele pensa que está certo, e não está. Ele é um jogador para jogar, e não para reclamar, dar pontapé nos outros, tomar cartão. Ele está fazendo coisa que não sabe, e que está prejudicando ele. Por isso é que digo de época, de exemplo. Zizinho, Jair Rosa Pinto e Didi me chamavam a atenção. Foram meus mestres. O jogo não é jogado, é pensado para ser jogado. Quem é que diz isso para esses garotos?

Quem é o melhor jogador atuando no futebol brasileiro?

Não sei responder. Hoje se nivela, para não dizer por baixo, pelo meio. Em cima não tem ninguém. Um destaque ali, outro aqui. Para encher os olhos de verdade não tem ninguém.

Qual foi o último jogo bom que você viu?

Grêmio x Flamengo, Grêmio x Cruzeiro. Hoje, quem está fazendo um jogo melhorzinho são esses mesmos. E o São Paulo. Estava pintando o Atlético-MG, de repente caiu. Estão fazendo as melhores decisões, os melhores jogos, que pinta um ou outro jogador quando ele quer jogar, em vez de dar trombada e pontapé. Quando eles querem jogar, são desses aí que estamos tirando as melhores coisas. Se é que existem as melhores coisas.

Existe algum Gérson no futebol mundial?

Com as minhas características, não. Tinha o Iniesta, o Xavi, jogadores de toque rápido e lançamento. Os meias de hoje não lançam, eles tocam. Tocam mais para o lado e para trás do que para frente, perdem um tempo danado. Falta objetividade para caramba. Não tem penetração, não tem nada.

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