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Arte sustentável feita ao vivo longe dos holofotes na Flip

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Na Praça da Bandeira, em Paraty, um artista usa uma árvore como galeria para divulgar seu trabalho. As peças penduradas nos galhos, feitas a partir de lixo, impressionam pela sofisticação. Hudson da Conceição passa o dia no local, afastado do centro da Festa Literária de Paraty (Flip), onde faz sua arte sustentável. E mais: compõe seu trabalho ao vivo.

Radicado em Paraty desde a última Flip, o mineiro narrou as dificuldades que tem encontrado para levar sua arte adiante. No momento em que a sustentabilidade é o foco central das discussões internacionais, o artista desenvolve obras totalmente sustentáveis, utilizando jornal e cola.

Além da temática sustentável, Hudson traz uma novidade no mercado artístico tradicional: compõe suas obras ao vivo. As pessoas que se interessarem podem interferir no trabalho e, até mesmo, participar de sua elaboração. Ele revela que essa prática o aproxima de seu público.

“As pessoas podem interagir, escolher a cor e até ela mesma pintar. A questão de fazer ao vivo cria uma proximidade com o publico. Não é aquele trabalho que está dentro de uma loja que o vendedor só quer vender tal coisa. Aqui, interajo com a pessoa. E se quiser aprender, é só sentar do lado e aprender”, descreveu.

O tema central de sua obra está no folclore e na cultura popular brasileira. Sacis Pererês, orixás, sereias, trapezistas, malabaristas, luminárias, animais, tudo é abrangido nas peças do mineiro.

Após ter rodado boa parte do Brasil se aperfeiçoando em suas técnicas e “experimentando a cultura popular”, Hudson contou que, ao chegar na cidade, foi recebido pela Off Flip, circuito paralelo às principais atrações da festa. Contudo, criticou a visibilidade dada aos artistas desconhecidos que desejam divulgar seu trabalho.

“No ano passado, fiquei entocado, porque a festa não centraliza. Mas consegui expor e (o trabalho) teve uma boa aceitação. Como a cidade tem muitos festivais, fiz uma meta: passar um ano na cidade até a próxima Flip, quando iria tentar me mostrar ao mundo”, disse. “Esse ano consegui uma parceira de palavras com a Off Flip, mas não tenho suporte, nem da prefeitura nem da organização da Flip. Estou aqui agora, no escuro e ao relento, com um trabalho maravilhoso”, protestou.

Hudson alertou para a outra face da Flip: a geração de lixo. Ele conta que todos os dias pessoas que reconhecem seu trabalho aparecem para doar jornais. Apesar de elogiar a atitude critica os veículos que emitem tanto papel e não prestam atenção na poluição.

“A minha matéria-prima está sendo gerada com abundância, mas ninguém quer saber o que acontecerá com ela depois", analisa. "As autoridades e os órgãos competentes que estão gerando essa matéria-prima podiam chegar para mim e dizer: ‘Hudson, vamos fazer uma oficina com o que sobrar?’”.

Na mesma batalha por reconhecimento, Ramon Costa, que incluiu algumas de suas peças na exposição de Hudson, confirmou a dificuldade em ganhar notoriedade na cidade. Autodidata, Ramon contou que começou na arte ao tentar encontrar uma forma de subsistência.

Nascido em Ponta Negra, a seis horas de barco de Paraty, seu sonho é voltar a sua comunidade e ensinar aos mais novos essas técnicas sustentáveis. Ele utiliza todo tipo de material, desde madeira jogada fora a papel.

“Você imagina o barco chegar até lá para recolher o lixo...”, ponderou Ramon. “Eu reaproveito todo tipo de lixo, desde plástico a papelão”.

Ramon trabalha em uma pousada para poder equilibrar as contas pendentes, e o emprego acaba diminuindo seu tempo de dedicação à arte. Mas, sempre que pode, tentar passar adiante essa mensagem contra o desperdício.

“Depois que eu tiver minha casa própria, vou viver da minha arte. O importante é o que queremos passar aos outros”, disse.