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Geração de energia fotovoltaica já conta com indústria nacional, mas impostos tiram vantagem

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O presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica, Rodrigo Sauaia, afirma que o maior gargalo do setor no Brasil são os impostos sobre os insumos importados usados na fabricação de painéis solares. Principal financiador dos projetos, o BNDES, exige conteúdo local. Mas os projetos vencedores nos leilões da ANEEL são os que oferecem o menor preço final ao consumidor. Por isso a geração fotovoltaica não avança no Brasil como devia, ao contrário do que acontece em países como China, Índia e Turquia.

Por muito tempo a energia solar fotovoltaica foi uma opção limpa, mas cara. Como estamos hoje? 

Vemos uma grande transição energética baseada em três eixos: descentralização, que pressupõe a geração de energia junto aos centros urbanos; a digitalização, que passa pelo uso da tecnologia da informação e da internet em favor da rede elétrica; e a descarbonização, que é a geração com menor impacto ambiental, menos emissão de gases de efeito estufa.  Mas nada disso pode acontecer se as novas fontes e suas tecnologias não forem competitivas. No caso da energia solar fotovoltaica, o que a tem feito crescer não é a preocupação ambiental, que predominou nas décadas de 1970 e 1980, mas a competitividade que alcançou. Estamos falando de energia solar gerando energia elétrica mais barata do que todas as fontes fósseis, mais barata que termoelétrica biomassa, mais barata do que a energia gerada em pequenas centrais hidrelétricas. Vimos isso nos dois últimos leilões. No leilão de dezembro, o preço médio foi de R$ 145,68 por megawatt-hora (MWh). Em abril desse ano saiu por R$118,07. São preços recordes que, com pouco incentivo público, caíram quase pela metade em quatro anos. Isso foi possível graças aos ganhos de escala, melhoria da tecnologia e aumento da eficiência. 

No Brasil não há iniciativas estatais nessa linha. Estamos atrasados? 

Muitas empresas públicas e privadas de fontes convencionais já introjetaram a transição em seu modelo de negócio. A Engie e outras empresas francesas, italianas, espanholas, norte-americanas, holandesas e chinesas já investem em renováveis. O Brasil precisa, de fato, despertar para essa oportunidade porque temos alguns dos maiores grupos da América do Sul em suas áreas que ainda não decidiram suas estratégias de transição. Mas vejo sinais positivos, embora tímidos. A associação já conta com grandes grupos como Furnas e Chesp, e temos conversas com a Eletrobras e Petrobras. Então, acredito que é uma questão de tempo.

Em que pé está a fabricação de equipamentos fotovoltaicos no Brasil? 

Já temos algumas usinas que usaram produtos nacionais porque foram financiadas pelo BNDES, que exige conteúdo local. Assim foi para uma grande usina em Minas e outra no Rio Grande do Norte. Mas é fato que existe um desafio para a cadeia produtiva nacional. Um dos gargalos mais importantes é a carga tributária injusta aplicada sobre o fabricante nacional. Ele compra matérias primas importadas, paga impostos elevadíssimos sobre esses insumos e precisa incorporar o custo no preço dos produtos. Isso faz com que o equipamento produzido no Brasil, mesmo em fábricas de grupos que detêm tecnologia de ponta e são ativas no mundo inteiro, sejam até 30% mais caros do que os fabricados no exterior. O problema é o imposto. Por isso temos conversado com o governo para que se atualize o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (PADIS), que hoje inclui apenas 20% dos insumos produtivos de um módulo fotovoltaico. Os ministérios envolvidos já concordaram e, agora, falta um parecer final da Fazenda.

Muitas peças vêm da China com preços bem mais competitivos... Nosso problema é o módulo fotovoltaico, que vem de lá na maioria das vezes. Mas também importamos da Malásia, Tailândia, Japão e um pouco do Vietnam, Europa e América do Norte. O Brasil já fabrica todos os componentes do sistema. Inversores, estruturas e rastreadores nacionais já estão muito competitivos.

Os investidores reclamam das exigências do BNDES para ?nanciamento. Há uma linha tênue entre protecionismo e entrave. Como vê a questão? 

O BNDES tem um plano de nacionalização progressiva para o setor. O problema é que o banco exige módulos nacionais e esse componente tem um tratamento tributário extremamente desfavorável, o que encarece os projetos. Mas,  ao nosso ver, o erro não está no BNDES e sim no imposto. Isso tem dificultado a viabilidade desse financiamento porque os empreendedores do setor concorrem em leilões muito competitivos, precisam ter preço. Cada centavo conta. Ter um preço competitivo de módulo é um fator crucial para a entrega dos projetos contratados. O imposto trava não só a cadeia produtiva, mas, indiretamente, o financiamento nacional.

Qual o horizonte para os leilões de solar da Aneel? 

Até hoje foram cinco leilões, com os dois primeiros em 2014. É importante dizer que estavam previstos dois leilões para 2016, mas a fonte foi retirada do primeiro com a promessa de que entraria no segundo, que acabou cancelado. Isso prejudicou muito o planejamento do setor porque haverá uma lacuna de contratação nos anos de 2019 e 2020, quando seriam entregues os projetos. Isso traz enorme preocupação ao fabricante, que tem de produzir de forma continuada. Não há previsão, mas recomendamos que o governo realize um leilão ainda esse ano para entregas em dois anos. No longo prazo, é preciso fixar um cronograma que traga mais previsibilidade. O Brasil tem, em carteira, por volta de 20 GW, que é o portfólio disponível para atender leilões do governo. É uma enormidade de potencial. 

Índia e Turquia, que guardam semelhanças com o Brasil, já aparecem com destaque no cenário internacional. O que ?zeram diferente de nós? 

Eu também incluiria a China que, embora monumental, ainda é um país em desenvolvimento. Os chineses não começaram muito tempo antes dos outros, mas têm uma característica importante: um governo central bastante eficiente na tomada de decisão. Quando decidem, implementam rápido. Por isso se tornaram o maior mercado fotovoltaico do mundo.  Tinham 130 GW instalados até 2017 e, em breve, vão superar a meta de 200 GW. Já a matriz elétrica brasileira inteira tem 160 GW. Na Índia, o que houve de especial foi desenvolvimento de um plano nacional para energia solar fotovoltaica, com a meta de atingir 100 GW até 2022. Em 2017, instalaram 10 GW. É um programa transversal, que inclui energia solar gerada em residências, comércio, indústria, prédios públicos e grandes usinas, em grande parte contratada pelo governo, mas via mercado. A Índia levou a solar para o eixo central de seu desenvolvimento para reduzir a dependência do carvão e importação de combustíveis fósseis. Há ainda uma parcela muito grande da população sem acesso a energia elétrica. Estão instalando energia solar com baterias em todo os cantos do país. A Turquia seguiu direção parecida, mas com incentivos diretos, com prêmio em dinheiro para quem gera energia solar, um caminho que o Brasil não seguiu. Optamos por uma linha de compensação. De toda forma, até três anos atrás, ninguém falava de Turquia e agora, eles viraram um dos principais mercados da Europa expandida, atraindo empreendedores de toda a Europa e da Ásia vizinha.