ASSINE
search button

Banco Central levanta DNA do capital

Paraísos fiscais são plataformas para investimento de brasileiros, europeus e chineses no país

Compartilhar

O Brasil vem recebendo cerca de US$ 80 bilhões em investimentos diretos estrangeiros por ano. É um ingresso de capital que sempre foi bem-vindo. A versão oficial, absorvida por nove entre dez economistas, é de que este é um tipo de capital mais benéfico do que os capitais de empréstimos, de prazos curtos (até cinco anos) e sujeitos às flutuações das taxas de juros internacionais e do câmbio. O investimento direto em capital correria o risco de só poder retornar (sujeito à tributação de 25% e a determinados limites nas remessas) se a empresa, alvo do investimento, desse lucros. 

Mas o “Relatório de Investimento Direto no Brasil”, divulgado esta semana pelo Banco Central, com um completo levantamento do ingresso de capitais de 2010 a 2016, incluindo dados do Censo de Capitais Estrangeiros de 2016, mostra que a realidade é bem diferente da versão oficial. Dos US$ 75 bilhões que ingressaram no país em 2017, nada menos que US$ 66,081 bilhões, ou 88,1% do total, eram de “empréstimos intercompanhias”, uma troca de dinheiro entre matriz e filial que o BC contabiliza há três anos como investimento direto. 

Esse tipo de investimento direto disfarçado sempre houve na história do Brasil. O grande atrativo era a abusiva diferença entre os juros brasileiros e os juros internacionais próximos de zero. Após a crise financeira mundial do sub-prime (o mercado secundário de títulos e hipotecas dos Estados Unidos), que ruiu em agosto de 2008, quebrou bancos pelo mundo afora e obrigou os bancos centrais a injetarem trilhões de dólares e euros nos bancos que evitar que a quebradeira geral congelasse o dinheiro de empresas e pessoas aplicados nos bancos. Os juros foram mantidos perto de zero em aplicações em dólares e euros. Assim, países como o Brasil e Turquia, que praticam juros altos, viraram atrativos. 

Decompondo os Investimentos Diretos no País (IDP), que compila investimentos diretos no capital acima de 10% (que dá direito a voto nas assembleias e no Conselho de Administração) e as Operações intercompanhias (créditos concedidos a empresas residentes no Brasil por matrizes ou filiais do mesmo grupo econômico), fica claro que estas operações - que têm como atrativo o diferencial de juros entre o Brasil e o nível das matrizes, - se transformaram em filão dos “investimentos diretos”. Pelo menos em 2015 e 2016. 

Com o raly de baixa dos juros básicos iniciado em novembro de 2016, quando a taxa caiu de 14,25%  para os atuais 6,50% ao ano, houve aceleração e queda no ingresso de capitais. Mas o BC ainda estima ingresso de US$ 85 bilhões em 2018.

Juros altos atraem as empresas 

Uma questão curiosa, que comprova como são altos os juros praticados regularmente pelo Sistema Financeiro no Brasil comparados ao retorno dos investimentos obtidos pelo setor produtivo, é o levantamento do Banco Central sobre a composição de investimentos direto no capital e aqueles disfarçados (empréstimos intercompanhias). Seguindo a metodologia do Fundo Monetário Internacional, o BC os contabiliza também como IDP. 

No setor financeiro (onde o espanhol Santander é líder entre os bancos estrangeiros) há US$ 105,5 bilhões investidos no capital e apenas US$ 15,3 bilhões  (ou 12,6%) em empréstimos intercompanhias (mais comum nas financeiras ligadas ao setor automobilístico e de máquinas agrícolas). 

Há filiais brasileiras que ganham mais no fluxo financeiro do que na produção física dos bens a serem financiados. Quando há mercadorias a financiar, o spread da arbitragem de juros e câmbio é um atrativo a mais para as financeiras de grupos empresariais. 

No setor de Telecomunicações, há o inverso: US$ 21,4 bilhões estão investidos diretamente no capital e US$ 30,7 bilhões, ou 58% do total de IDP, estão registrados sob a forma de empréstimos intercompanhias. 

Já nas atividades de exploração e produção de petróleo e gás, que mais concentra investimentos estrangeiros, são US$ 19,6 bilhões no capital das empresas e US$ 25,9 bilhões, ou 56,8% do IDP estão disfarçados em empréstimos intercompanhias

O Brasil que investe no país

O BC identifica as posições de IDP por país controlador final onde há passeio de capitais por paraísos fiscais. O round-tripping nas posições de IDP pode verificar se o controlador final do grupo econômico do IDP, é residente no Brasil. 

Em 2010 haviam US$ 46 bilhões (8% do IDP) classificados como ‘turista’. Dois parâmetros básicos motivam o “turismo”: se os juros estão elevados (diferencial entre Brasil e EUA) ou o câmbio (R$/US$) é favorável. Com o cerco mundial aos paraísos fiscais e ao crime organizado o percentual caiu a 3% (US$ 17 bilhões) em 2016, quando houve muita repatriação de capitais. 

O BC considera que a triangulação ocorre quando empresa residente no Brasil (A) canaliza investimento direto via empresa controlada no exterior (B) que é investidora direta em uma terceira empresa residente no Brasil (C). 

China usa Luxemburgo para investir 

O relatório do IDP traça um panorama geral dos diversos investimentos, por país de origem, destino nas atividades econômicas e pelo porte dos valores alocados. O  Censo dos Capitais estrangeiros foi iniciado pelo BC em 1995, quando 6.322 empresas fizeram declarações. No último Censo, de 2015, o número mais que triplicou, para 19.537 empresas. 

Em termos de estoque de investimentos estrangeiros no Brasil, os EUA seguem na liderança, mas os fluxos da origem dos recursos apontam os Países Baixos (que compreendem a Holanda e os paraísos fiscais de Curaçao, Barbuda e Saint Martin, no Caribe), a Espanha, Luxemburgo e as Ilhas Virgens Britânicas (também no Caribe) entre os líderes de 2015 a 2017.  O cerco da OCDE (liderados pelos EUA) aos paraísos fiscais, que motivou o projeto de repatriação de capitais brasileiros no exterior, no governo Dilma e executado após o impeachment tende a alterar futuros resultados. 

Uma questão desvendada pelo BC foi a canalização de investimento direto por meio de países intermediários (conduit countries), com destaque para round-tripping (passeio de capitais por paraísos fiscais, nos quais empresas e investidores de todo o mundo, inclusive brasileiros, buscam fazer investimentos através de paraísos fi scais triangulação). O BC explica a questão, como decorrência do processo de globalização e da integração das cadeias produtivas. Mas o que há é a fuga dos capitais para países que ou pagam os maiores juros no retorno do capital, ou aplicam as menores tributações sobre os capitais.

“Assim, verificam-se cada vez mais estruturas de investimentos nas quais relações entre matrizes e subsidiárias são intermediadas por outras empresas do grupo econômico, como holdings financeiras ou sociedades de propósito específico (SPE). Tais empresas, normalmente situadas em países de baixa tributação (sobretudo paraísos fiscais), funcionam como veículos financeiros (financial conduits) ou de passagem (pass-through) para a alocação de investimento direto”. A Petrobras, por exemplo, tem uma subsidiária (Petrobras Netherlands) registrada nos Países Baixos.

Rastro chinês 

Um dos objetivos do BC era descobrir a origem dos investimentos chineses. Embora BC levanta DNA do capital Paraísos fiscais são plataformas para investimento de brasileiros, europeus e chineses no país badalados nos últimos anos os investimentos em energia elétrica, petróleo e mineração não correspondiam aos registros do país de origem da State Grid, que comprou a CPFL, Sinopec, Sinochem, Spic etc), pois não geravam contratos de câmbio equivalentes ao país de sua origem (China). 

De modo suplementar, foram estimadas transações de IDP da China pelo critério de controlador final para os anos de 2014 a 2017, a partir do cruzamento dos microdados da pesquisa Censo e dos contratos de câmbio. O Relatório do IDP esclarece que “o país de origem do fluxo financeiro e do investidor imediato não é necessariamente o mesmo, já que o investidor imediato pode enviar seu investimento para o Brasil a partir de contas bancárias em terceiros países” Ao selecionar o CNPJ de cada declarante do Censo ficou claro que a China era o país do controlador final. E as descobertas foram surpreendentes. 

“A canalização de IDP chinês se dá principalmente por Luxemburgo. Em 2010, havia 126 empresas receptoras de IDP cujo país controlador final do investimento era a China. A maioria das empresas atuava em extração de petróleo e gás natural”, diz o relatório. Mas 91% das operações de investimentos da China para o Brasil em 2010 transitaram por Luxemburgo, paraíso fiscal europeu. Em 2015, após o aperto da OCDE, o número de empresas elevou-se para 193 e, além da extração de petróleo e gás natural, destacou-se o setor de serviços financeiros, mas o índice de investimentos chineses via Luxemburgo caiu para 66%. 

Entre 2014 e 2017, o montante identificado de IDP provenientes da China somou US$ 19,5 bilhões, dos quais US$ 10,9 bilhões ocorreram em 2017. Pelo critério de país do investidor imediato, as transações caíram substancialmente no período, para US$ 2,9 bilhões. 

Mas a China não está sozinha. O ‘podium’ das transações triangulares é dos Países Baixos. A vizinha Bélgica é o país que mais fez investimentos via parceiro. Em 2010, 92% dos investimentos belgas no Brasil transitaram pelos Países Baixos, incluindo paraísos do Caribe, nível que aumentou para 98% em 2015, segundo o Banco Central. A Itália (sede de empresas como a TIM, Fiat Chrysler, Enel, que disputa o controle da Eletropaulo) é o segundo país que mais utiliza os PB como biombo.