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Petróleo: instabilidade do preço deve aumentar

Cenário pode piorar se economia mundial seguir com nível de crescimento baixo

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A queda dos preços do petróleo já afeta países exportadores como Venezuela e Rússia mas, caso se prolongue e intensifique, pode comprometer investimentos futuros e prejudicar empresas brasileiras do setor, acreditam especialistas. A menor demanda mundial, influenciada pelo baixo crescimento das economias, aliada à inclinação da Arábia Saudita em não comprometer sua receita, são alguns dos fatores determinantes para que os preços continuem instáveis. Empresas que não têm tantos mecanismos para lidar com períodos adversos devem ser as mais prejudicadas. 

Especialistas lembram que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) já não tem mais tanta força quanto possuía no passado. Enquanto antes um pequeno esforço de cada um dos países era o suficiente para causar um grande impacto nos preços, hoje o esforço é muito maior para um pequeno efeito. Considerando então o baixo crescimento ou ainda a estagnação da economia em grande parte do mundo, a retomada da demanda, que poderia contribuir para a alta dos preços, se mostra um pouco mais distante, e o mercado de petróleo acaba refletindo um pouco da crise econômica mundial.

Adilson de Oliveira, professor do Instituto de Economia da UFRJ, destaca que o preço do petróleo não deve chegar, de qualquer forma, muito abaixo de US$ 60. "Tudo está indicando que a China está reduzindo seu crescimento de uma forma forte. Então, se isso continuar e a demanda não crescer, e a Arábia Saudita reduzir o preço, tudo leva a crer que a gente pode chegar mesmo até US$ 60."

As receitas do petróleo compõem 95% das exportações da Venezuela e a maior parte dos recursos do Estado. Na Rússia, o comprometimento com a queda no preço é tamanho que pode ajudar o país a registrar leve recessão no ano que vem. "A Venezuela é o caso mais crítico, já está numa situação econômica bastante complexa e, com essa queda agora, eu não sei como o país vai reagir. Todos os países que são produtores vão ter que arrefecer seu ritmo de crescimento."  

No caso do Brasil, continua o professor, os investimentos na área do pré-sal devem começar também a esfriar e não se efetuarem na mesma velocidade - caso a queda demasiada se confirme. O investimento na área não pararia, mas seria mais lento. Os fornecedores desta indústria, contudo, já estariam sentindo os efeitos, e devem "sofrer bastante" neste período. 

Marcelo Colomer, professor da UFRJ, retoma o desempenho na indústria nos últimos anos para ajudar a explica o cenário atual. Nos últimos três anos, o preço do petróleo teve uma estabilidade incomum, considerando o histórico de preços, estabilidade ancorada na disposição de algum agente de ajustar a demanda. 

"Quando a demanda aumenta muito, você tem algum agente que consegue aumentar a oferta de forma que o preço não oscile tanto. Ao contrário também, se o preço começa a cair, algum agente ofertante retira do mercado o excesso de forma que o preço fique estável. Só que essa coordenação não é fácil, ela é difícil, porque ninguém quer ser o agente que faz esse balanço, porque esse agente ou fica com capacidade ociosa ou produz o máximo que consegue. Então ele tem alguma perda, para os outros agentes não terem perda nenhuma."

Nos últimos três anos, a demanda esteve muito aquecida, principalmente por causa da demanda chinesa, embora a europeia estivesse enfraquecida em função da recessão no continente e a americana não estivesse crescendo. O preço só não disparou porque os Estados Unidos começaram a produzir o shale oil e a Arábia Saudita estava produzindo no máximo de sua capacidade, salienta Colomer. A demanda chinesa, todavia, acabou desaquecendo e a Líbia voltou a produzir em função de suas instabilidades sociais, e a colocar petróleo no mercado internacional. 

"Então você tem a Arábia Saudita colocando a sua capacidade plena no mercado, você tem os Estados Unidos colocando a produção do shale oil no mercado, e você tem a Líbia também colocando a sua produção no mercado, enquanto a demanda deu uma arrefecida em função basicamente da China." O papel esperado pela Arábia Saudita de amortecer a oferta para manter o preço estável, por sua vez, não veio. 

"O sinal que a Arábia Saudita está enviando para o mercado é o seguinte, 'eu não vou mais fazer o papel desse player que ajuste o mercado, eu tenho como aguentar o preço mais baixo, se vocês não tiverem que cortem a sua produção'. Na verdade, é uma mensagem direta para o mercado norte-americano, 'vocês têm uma capacidade de cortar produção mais rápida do que a minha, vocês têm o custo mais alto, então vocês precisam do preço do petróleo mais alto, então vocês que façam o ajuste no mercado'", ressalta Colomer. 

Seria uma posição também para prejudicar a Rússia e outros membros da Opep como Iraque e Irã. Estes dois países têm capacidade, como a Arábia Saudita, de aumentar a oferta, mas são muito dependentes desta receita, em termos fiscais, então quando o preço cai muito fica mais difícil também manter a estabilidade econômica e social. "O cenário hoje é bem complicado, falta uma coordenação do lado da oferta. A Opep parece não ter mais o papel de coordenação, ao ponto de manter esse preço estável." 

Ninguém sabe exatamente se o preço do petróleo deve seguir para cima ou para baixo, mas o certo é que vai ter muito mais volatilidade no preço do petróleo mundial, aponta. Dependeria muito do reaquecimento da demanda, de uma reestruturação da Europa e de um retorno do ritmo de crescimento da China, por exemplo, para o preço subir. O primeiro impacto de uma continuidade do baixo crescimento dos países, e consequente menor demanda por petróleo, é sentido pelos países dependentes do petróleo, como a Venezuela, o México, o Irã, o Iraque e a Rússia, com prejuízos fiscais. 

No caso dos Estados Unidos, a característica da produção de shale oil e dos líquidos de gás natural é muito diferente da produção convencional, há um custo inicial alto, com produção de no máximo cinco anos, e necessidade de novo investimento em capital físico, uma nova etapa de exploração e produção. "Para esses agentes, então, se o preço se mantiver muito baixo por um longo tempo, a decisão desse novo investimento de uma nova etapa de exploração e produção pode não acontecer ou pelo menos diminuir de velocidade. (...) Caindo o preço também de derivados de petróleo, aí a história é outra, pode ser que alguns reservatórios de gás não convencional também não se tornem mais viáveis economicamente, e aí pode vir a afetar até mesmo a produção de gás nos Estados Unidos", alerta.

No Brasil, o break-even do pré-sal não passa de US$ 40, mais barato do que o não convencional norte americano. A redução dos preços do petróleo espreme a margem da Petrobras, mas não chega a afetar seu plano de investimento de longo prazo. "Agora, se houver uma sinalização de que o preço fique baixo por muito tempo, isso pode vir a afetar a decisão de investimento de qualquer forma. Essa prerrogativa de que vai haver mais volatilidade no preço, independente se para cima ou se para baixo, é muito ruim para as empresas, porque você trabalha com um risco de mercado muito grande."

Não chega, apesar disso, a interromper explorações, considerando o alto nível de investimento inicial. "É muito difícil você ter as empresas parando de produzir agora porque o preço do petróleo caiu. O que pode acontecer é que novos projetos de exploração e produção não aconteçam."

A reunião da Opep, que será realizada ainda neste ano, pode mudar todo este cenário, indica o professor, considerando a possibilidade dos países se coordenarem para manter o preço mais alto. 

Em termos de macroeconomia, do impacto desse cenário para a economia mundial, Colomer atesta: "O preço do petróleo baixo para a economia mundial não é ruim, pelo contrário, é bom. Se você reduz o custo da energia, você desencadeia uma redução de custo em geral então para o cenário econômico mundial, mesmo no longo prazo. O que pode acontecer em termos de crise é você afetar muito a economia de países dependentes do petróleo. Agora, no curto prazo, também tem muito discurso, é difícil dizer que um mês de preço baixo consegue afetar tanto a receita, tem um pouco de choradeira dos países, para tentar pressionar os preços para para cima."

Para Colomer, não dá para fazer um diagnóstico do que vai acontecer, então, apesar de estar certo de que vai aumentar muito a instabilidade de preço. Ele também não vê retrocesso muito grande na postura da Arábia Saudita  em relação a isso. 

Luciano Losekann, chefe do Departamento de Economia da UFF, também reforça a decisão da Arábia Saudita de não mais representar o papel que representava antes e também a produção de shale oil norte-americana. "A gente não sabe exatamente qual vai ser o próximo passo." 

Em relação ao impacto de um cenário mais adverso aos investimentos no pré-sal brasileiro, ele destaca que as perspectivas de atratividade ainda são favoráveis, com espaço confortável para a efetividade, pelo menos, dos projetos mais rentáveis. "A questão que se coloca é para projetos não tão promissores." Losekann salienta que a situação das empresas brasileiras menores do setor fica mais complicada não só pelo preço do petróleo, mas também pelo impacto da queda de empresas como a OGX, que fez com que ficasse mais difícil a captação de investimentos.