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Brasileiros descobrem a importância de poupar

Fase do consumismo começa a dar lugar ao planejamento financeiro

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A intenção de consumo das famílias vem caindo e os brasileiros começaram a poupar mais – vide o desempenho recorde da poupança no ano passado. O endividamento também cresceu, o que não chega a ser um sinal negativo, como costuma ser alardeado, pois demonstra que mais pessoas têm acesso ao crédito, como reforçou o economista João Sicsú em conversa com o JB. O caminho que o país deve agora trilhar para ter uma poupança robusta como de países desenvolvidos e começar a falar de índices que ainda não têm espaço nos debates ainda é longo, acreditam economistas, mas foi encurtado com o plano de redistribuição de renda implementado nos últimos anos.

Economistas analisam as recentes mudanças no comportamento financeiro dos brasileiros e alertam para a necessidade de uma educação financeira. Nosso vizinho Chile, primeiro e único país da América do Sul a integrar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, já fala de riqueza financeira por família (soma da poupança e do investimento em ações, menos as dívidas), enquanto o Brasil ainda é um caminho um pouco distante. Para alguns falta educação financeira e perder a ansiedade de consumo.

Dezembro de 2013 registrou a primeira arrecadação de 11 dígitos da poupança brasileira em um mês, já descontados todos os saques, desde 2010 - com R$ 11 bi contra os R$ 9 bi do mesmo período do ano anterior, de acordo com dados do Banco Central. No ano inteiro, o resultado também foi recorde, com captação líquida de R$ 71 bilhões. Em 2012, a captação havia sido de R$ 49,7 bi e no ano anterior de R$ 14 bi. Ao todo, brasileiros têm R$ 597,9 na caderneta de poupança, e receberam R$ 30,6 bi em rendimento. O que influenciou o registro desse volume foi o ganho de renda das famílias brasileiras e os juros da economia, que fez com que muitos migrassem para poupança. 

O endividamento das famílias brasileiras, por sua vez, também aumentou no ano passado. De acordo com o estudo Perfil de Endividamento das Famílias Brasileiras em 2013, realizado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), houve crescimento de 7,5% do número médio de famílias endividadas, com o percentual de endividados alcançando a média anual de 62,5% do total das famílias. Os indicadores de inadimplência, no entanto, mostraram crescimento anual apenas no segundo semestre.

Para João Sicsú, professor do Instituto de Economia da UFRJ e diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do Ipea entre 2007 e 2011, estamos diante de um cenário “extremamente positivo”, que é resultado do movimento redistributivo de renda e da queda no desemprego, que possibilitaram esse endividamento da população e o aumento da poupança. Ele ressalta que o endividamento tem sido colocado como algo negativo, mas que, pelo contrário, se trata da prova de que mais brasileiros consolidando sua posição econômica.

“Eu não vejo o endividamento como algo negativo, ele é extremamente positivo. Só se endivida quem pode se endividar. Se eu for ao banco e pedir R$ 100 milhões, eles não vão me dar. Eles emprestam para quem pode tomar o empréstimo. Se as famílias estão se endividando, é porque estão consolidando sua posição econômica. Isso mostra a saúde financeira dos agentes econômicos", declarou ao JB por telefone.

Sicsú destaca que não há motivo para temer que empresas ou pessoas endividadas "quebrem", a não ser que a economia brasileira seja fortemente desafiada ou se houver desemprego. A questão, explica, não é temer o endividamento, mas o desemprego, uma forte desaceleração da economia e a recessão. "O endividamento é uma antecipação de renda que, para as empresas, significa investimento e, para as famílias, significa, por exemplo, o bem de consumo durável”.

A tendência agora, acredita Sicsú, é a poupança aumentar, até mais que o carregamento de título da dívida pública, devido à forte mudança redistributiva de renda no Brasil e o conhecimento básico que exige o investimento na caderneta de poupança. 

Alexandre Espírito Santo, economista da Simplific Pavarini e professor de economia do Ibmec-RJ, ajuda a explicar a importância de uma poupança robusta para a economia dos países. Uma das coisas, e que é muito importante, é que ela ajuda muito no investimento produtivo no longo prazo. Países com baixa poupança têm pouco investimento. Não só governo como a população devem poupar, para ajudar a formar investimentos.

“A formação de poupança do Brasil é menos de 20% do PIB e da China é acima de 40%, esse é apenas um dos motivos para o desempenho dos investimentos e a China cresceu muito mais que o Brasil nos últimos anos”.

O economista destaca duas questões para o desempenho da poupança no ano passado. Ele atribui o alto volume às mudanças realizadas no país nos últimos 15 anos, aos ganhos de renda da população brasileira, a estabilização oferecida pelo plano real e as políticas de distribuição de renda. "Começa, então, a sobrar um pouquinho de dinheiro, e as famílias começam a se preocupar mais com o futuro."

Enquanto outros investimentos, como em ações, e títulos, ainda são difíceis de serem compreendidos pelas “pessoas comuns”, com uma série de regulamentos e especificidades, a poupança atrai mais pessoas, porque todo mundo a compreende, “é como se já estivesse no DNA” da população brasileira, não precisa pagar Imposto de Renda, é fácil de aplicar e existe, até determinado limite, uma garantia do governo. A poupança, então, é “bastante convidativa”.

“O que aconteceu no ano passado é que grandes investidores, que não usavam caderneta, em função do mercado de investimentos ter ficado muito ruim, começaram a colocar dinheiro na caderneta. A Selic voltou a subir e as pessoas começaram a entender que a caderneta é uma boa alternativa”.

Existe, no entanto, a preocupação com o chamado “paradoxo da parcimônia”. Quando a poupança é formada, significa que as pessoas não estão consumindo, e o consumo tem um peso importante no PIB. Contudo, Alexandre acredita que as pessoas precisam poupar cada vez mais, para que o Brasil não precise passar pelo que aconteceu com alguns países depois da crise de 2008, quando as pessoas estavam extremamente endividadas.

O professor da Escola de Economia de São Paulo (FGV/EESP), Samy Dana, explica que uma coisa é a poupança no sentido de produto financeiro, e outra é o ato de poupar, no qual não apenas melhoramos, como também ainda temos muito a poupar. A previdência social, exemplifica, não mantém a mesma qualidade de vida para muitas pessoas. Para manter a qualidade de vida depois de aposentado, então, muitos procuram uma poupança própria. 

“Eu acredito que a gente tem um entrave, de falta de educação financeira. Existe desde 2008 um acesso maior ao crédito, mas a educação financeira não acompanhou a oferta. Nos últimos anos, a gente assistiu a um aumento nos custos, como dos imóveis. O que adianta então ter mais crédito se as coisas estão custando mais. Você gasta mais e ainda fica endividado. O governo deveria usar mais recursos, não só poupança, para investir em infraestrutura, para melhorar a qualidade de vida. O país cresce muito pouco. O aumento do salário não acompanhou [por exemplo,] um aumento da produtividade. Temos alíquotas muito altas de imposto que, combinados com nossa competitividade, faz com que tenhamos preços tão caros como temos”, alerta.

Brasileiros, os consumidores ansiosos

Se uma das coisas que faltam é a educação financeira, André Braz, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre), aponta o que ainda influencia o comportamento dos brasileiros na hora da compra e fala em uma sociedade de ansiosos, resquício da hiperinflação. A maior conscientização financeira dos brasileiros é crescente, acredita, mas ela não se materializa em pouco tempo. 

Ao comprar um carro em diversas parcelas, o brasileiro acaba pagando às vezes por dois carros e meio. Uma programação antecipada, para adquirir o automóvel em um período de cinco anos, por exemplo, é mais eficiente. Sem contar que, ao antecipar a compra em diversas parcelas, o consumidor ainda tem que arcar ao mesmo tempo com os custos de ter um carro, como combustível, IPVA, manutenção.

Ele destaca a educação financeira que já vem sendo oferecida nas escolas, em diversas disciplinas disciplinas. Isso é importante para mostrar ao estudante que, se ele ganha mesada e quer comprar um iPhone, vai ter que fazer programação e poupar. Na compra à prazo, a taxa de juros às vezes é oculta. "Não existe dinheiro de graça, mas o quanto se paga por antecipar o consumo quando não tem dinheiro." O dinheiro gasto com juros, então, sugere, pode ser usado para compra de outro produto ou para dar início ao planejamento de compra de outro sonho.

"Nós viemos de um contexto de inflação muito alta, dos anos 1970, 1980 e 1990. O dinheiro era corroído no dia seguinte, o que acabou criando uma geração que antecipa muito o consumo, tem medo de esperar o amanhã, de perder a capacidade de comprar coisas, e fica refém dos mecanismos de crédito. Chegamos agora em um período de estabilização, e as pessoas estão com vontade de comprar tudo, porque antes tudo era muito caro. Se a pessoa não souber administrar isso, ela se enrola, mesmo com a inflação mais baixa. Parece bobeira, mas isso é uma coisa que não sai do subconsciente", alerta.

Os adultos de hoje, então, tentam antecipar o máximo possível a compra, com medo de não conseguir realizá-la depois. Não podem, contudo, ter a ansiedade de "colocar tudo dentro de uma casa em um mesmo dia". Houve uma expansão muito grande do crédito, cheque especial, empréstimos de banco consignado, e as pessoas começaram a confundir crédito com extensão da renda. 

"Eu espero que, em 30 anos, nós tenhamos uma sociedade menos endividada. Primeiro, é preciso educar as crianças com o básico, gerenciar o orçamento doméstico, colocar as contas de casa no papel. Isso requer o envolvimento da família, não apenas do indivíduo que paga as contas. É preciso a preocupação da família toda, por exemplo, para desligar a luz ou a TV quando não há necessidade de estarem ligadas, de ter agilidade do banho, moderação do telefone".