ASSINE
search button

Resgate ao Chipre pode ser um perigoso precedente

Avaliação é de especialistas, que temem consequências

Compartilhar

O resgate financeiro de 10 bilhões de euros da Troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e União Europeia) ao Chipre, acertado no final de semana, movimentou os mercados financeiros e as discussões econômicas desta segunda-feira (18). Isto porque, diferentemente de outros auxílios na região, foram colocados como forma de garantir retorno ao investimento os depósitos bancários dos cidadãos. Para especialistas, a medida abre um perigoso precedente e desestabiliza a confiança dos investidores no continente. 

Segundo o acordo, serão taxados em 9,9% os depósitos com mais de 100 mil euros e em 6,75% os depósitos abaixo deste valor. No plano político, parlamentares cipriotas buscam reverter a situação e adiaram para a terça-feira (19) a votação que implementa a nova política econômica. Os bancos do país permanecem fechados até a quinta-feira (21), como forma de evitar de uma corrida para sacar fundos e agravar o combalido quadro das instituições. 

Como efeito das medidas, as bolsas de valores europeias tiveram queda com as incertezas geradas pelo pequeno país do Sul europeu. As ações de bancos da região foram as mais pressionadas pelo noticiário.  

Em Madri, o IBEX-35 caiu 1,29%, enquanto o principal índice de Londres, o FTSE, fechou em queda de 0,45%. Na Alemanha o DAX 30 ficou praticamente estável, com alta de 0,06%, e na França, o CAC 40 recuou 0,10%. Nos Estados Unidos, o S&P 500 caiu 0,55%, o Dow Jones, 0,43%, e o Nasdaq, 0,35%. 

Apropriação indevida

Ricardo Torres, professor de MBA da BBS Business School e diretor da Norfolks Advisory, acredita que a situação abre precedente para que este tipo de iniciativa seja levada a outros países. Para o especialista, trata-se de apropriação indevida dos recursos da população. "O precedente é péssimo e gera uma onda de pânico em outros países do bloco", advertiu.

Segundo ele, a questão do Chipre é muito mais simbólica do que econômica, uma vez que o país tem uma das menores economias e população do continente. No entanto, o momento econômico da Europa favorece os rumores pessimistas que causam alarme no mercado financeiro. 

O professor aposta que o projeto não será votado nem na terça-feira (19), porque os parlamentares cipriotas ainda devem encontrar resistência na formulação do impasse sobre a taxa para os cidadãos que têm menos de 100 mil euros em suas contas correntes. 

O grande problema do Chipre, analisa Torres, é o fato de o país ter uma grande dívida pública, estimada em 90% de seu Produto Interno Bruto (PIB), e não ter uma atividade econômica capaz de gerar receitas para pagá-la. "O problema das economias pequenas é se reinventar e criar receita sem muitas alternativas. É o mesmo problema da Grécia", comparou.

Dívida soberana e bancos 

Pedro Paulo Bastos, professor de economia da Unicamp, explica que a relação entre a dívida soberana dos países e os problemas de suas instituições bancárias continua muito profunda na Europa. Isto porque os bancos detêm títulos da dívida pública dos estados. "Se os estados estão mal, os ativos pioram. Se os bancos pioram, os estados têm que capitalizar os bancos. A situação fiscal dos estados e financeira dos bancos está muito relacionada", aponta. 

Para ele, existe uma grande disputa no Velho Continente sobre quem pagará pela crise econômica. "A crise pode ser paga com o orçamento da própria comunidade europeia. Ela é sistêmica, não foi inventada no Chipre ou na Grécia, mas atinge todo o sistema financeiro europeu. Então, quem paga: o orçamento da comunidade, que advém em maior medida da contribuição dos países mais ricos, ou os países mais fracos?", questiona. 

De acordo com Bastos, a exigência da Troika dos impostos sobre depositantes pode sair pela culatra, na medida em que o retorno para o resgate ao Chipre, avaliado entre 7 e 9 bilhões de euros, cria um precedente perigoso, no qual fica muito difícil para os investidores acreditarem que o caso do Chipre será isolado. 

"Os próprios compradores de títulos dos bancos, ao invés de se sentir aliviados, podem ter maiores dúvidas do investimento caso haja uma corrida aos bancos", avalia. "Os prejuízos gerados por esse acordo devem superar, no ponto de vista fiscal, os nove bilhões de euros, porque com queda geral das transações e perda de renda que isso pode gerar, no grosso da UE, é mais do que o que esse imposto economizou". 

Possível saída 

Segundo o professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) de Ribeirão Preto da USP, Eliezer Martins Diniz, a escolha por associar o dinheiro dos indivíduos foi uma alternativa do governo. "Quando se discute um socorro financeiro internacional, sempre precisa haver uma contrapartida do país. A questão do imposto bancário foi uma alternativa para que o governo desse a sua contribuição", explicou.

Diniz ressalta que existem, nas discussões sobre assunto, várias propostas para dar seguimento ao resgate, e todas convergem para aliviar os pequenos depositários. "A tendência é ter uma alíquota mais baixa do que os 6,75% já propostos. A consequência é uma taxa mais pesada para os grandes depositantes", avaliou. 

O economista ressaltou que todas essas medidas visam manter o país na zona do euro, e é justamente essa possibilidade de uma saída que gera tanto receio nos mercados financeiros e nos analistas. Ele destaca que fazer parte do bloco econômico traz ônus e bônus, e a partir do momento em que essa relação de custo-benefício não é harmoniosa, uma nação pode pensar em sair.

"Para permanecer na zona do euro, há uma série de regras rígidas, que implicam em disciplina financeira que alguns países não parecem ter. O ganho está na moeda única, no livre trânsito de pessoas e mercadorias, mas ao mesmo tempo se perde muita liberdade em como fazer a política econômica, pois o Banco Central de cada país, por não ter papel próprio, fica subordinado ao BCE e à sua política", analisou Diniz.

"Desleal, míope e autodestrutivo"

Já a professora de história e pesquisadora do Laboratório de Simulação de Cenários da Escola de Guerra Naval, Ana Paula Moreira, opina que a medida infringe acordo da zona do euro que estipula que os depósitos são invioláveis. 

"Isso causa um certo incômodo, principalmente para os países do Sul da Europa, que já estão muito instáveis. O medo é que outros países, como Espanha, Itália, Portugal e Grécia, possam adotar esse tipo de medida", afirmou a professora, acrescentando que a prestigiada revista inglesa The Economist classificou o acordo como  "desleal, míope e autodestrutivo". 

A especialista aponta que o presidente cipriota, Nicos Anastasiades, busca taxação de 2% para os pequenos correntistas, 15% para contas com mais de meio milhão de euro e 10% para contas com valores entre 100 mil e 500 mil euros. "A União Europeia é um bloco principalmente monetário e fiscal. Na hora da crise, são essas nações mais fragilizadas que sofrem as maiores sanções. E esses países acabam descontando as cobranças na própria população", finalizou Ana Paula.