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Economia floresce nas UPPs, mas comerciantes apontam problemas

Comerciantes locais comemoram conquista da paz, mas falta apoio do governo

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As armas empunhadas por traficantes ostentando o poder da venda de drogas não circulam mais nas comunidades pacificadas do Rio de Janeiro. A violência, relatam os moradores, diminuiu muito desde a chegada da polícia pacificadora. "Não tem mais tiroteio, pelo menos, não com frequência", diz um menino de 16 anos que caminha pelas ruas do Complexo do Alemão, em Bonsucesso, zona norte da cidade.   

Com a implantação da 26ª Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no local, cerca de 300 mil pessoas passaram a ser beneficiadas pelo projeto em toda a cidade, que pretende eliminar o poder dos traficantes nas favelas cariocas. Muito além da tranquilidade conquistada, um dos grandes benefícios do programa foi a chegada de serviços públicos, empresas e órgãos prontos para investir. "Com a violência era impossível ter um banco aqui, um caixa eletrônico, essas coisas", conta o soldado Gomes, da UPP do Turano. 

O vasto comércio informal das regiões é uma das características mais marcantes na economia das favelas. Desde a pacificação das comunidades, a Prefeitura do Rio e o Governo do Estado têm incentivado os comerciantes a formalizarem seus negócios, mas muitas vezes a rede de serviços básicos (como gás, luz e água) também tem instalações informais, dificultando o processo. 

Outro impedimento para a formalização era a falta de vontade de investir em seus próprios negócios, já que os donos não viam perspectiva de aumento na movimentação e no consumo, visto que a violência impedia a entrada de pessoas que não eram da comunidade. “Hoje em dia, consigo trazer minhas clientes do asfalto para fazer cabelo aqui, elas não têm mais medo, têm até curiosidade. Antes, seria impossível”, comenta Dener Alexander, 40 anos, dono de um salão de beleza no Morro do Turano, no Rio Comprido.

"Desejo de liberdade"

A motivação para empreender neste locais, segundo o historiador André Azevedo, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) se deve a um desejo de "liberdade" do trabalhador mais pobre, de sair de condições degradantes de trabalho. "O brasileiro é um empreendedor nato. Ele associa o trabalho para o outro como algo degradante, é uma herança escravista". 

Um das instituições mais atuantes nas comunidades pacificadas é o Sebrae, que trabalha com diversos projetos promovendo a qualificação da mão-de-obra e auxílio na legalização dos empreendimentos locais. Segundo Carla Teixeira, coordenadora do Sebrae para os "Projetos de Empreendedorismo das Comunidades Pacificadas", mais de 1.500 negócios foram legalizados em 19 comunidades desde que o programa começou. A especialista aponta que a lei do Empreendedor Individual (EI) foi a principal responsável pelas formalizações.

"Antes, era impossível para estes empresários se formalizar, a burocracia e os impostos eram muito altos. Agora, com esta nova lei, que vale para negócios que faturem até 35 mil, o contribuinte paga uma taxa fixa de, no máximo, R$ 37,10 por mês, e está coberto, com direito a todos os benefícios", explica.  

Quentinhas

Uma das beneficiadas pela nova lei é Ana Maria dos Santos, 50 anos, que até no ano passado vendia cerca de 30 quentinhas por dia para os moradores do Morro da Providência, na região portuária do Rio, a favela mais antiga do Brasil, onde mora há 36 anos. Depois de participar de aulas de administração através de um programa do Sebrae, ela formalizou seu negócio e munida com o CNPJ passou a fornecer refeições para uma empresa que trabalha em obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) na região. Chegou a atender mais de 700 operários por dia e hoje já ampliou seu negócio, que tem cinco funcionárias com carteira assinada.

"Atualmente temos um restaurante, atendemos também operários no Turano e servimos cerca de 70 quentinhas por dia, além dos serviços nas obras aqui de perto", conta a empresária. Ao lado da filha, ela acorda às 4 horas da manhã todos os dias para preparar as refeições que alimentarão os trabalhadores das obras do Teleférico e do projeto Morar Carioca. “Acho que cabe à população participar, procurar saber como pode ajudar”, opina.

Sua filha, Pâmela, de 23 anos, também comemora o aumento na movimentação da favela, que passou a atrair turistas, depois da construção de dois mirantes no alto do morro. "A vista lá em cima é bonita e muitos deles vêm almoçar aqui, até por indicação dos policiais".  

Herança

O historiador Azevedo explica que as camadas pobres da população tendem mesmo a ser mais inventivas do que as elites. Ele acredita que um dos responsáveis por esta característica é um fenômeno do século 19, chamado "escravidão de ganho".

"Na época, a burguesia urbana obrigava seus escravos a procurar proventos na cidade. Alguns roubavam, mas grande parte arriscava em novos negócios: venda, serviços, por exemplo. Mesmo os ex-escravos continuavam à margem da sociedade, o que os obrigava a buscar proventos pelo próprio esforço. Estes fenômenos ainda fazem parte da identidade da população, principalmente nas camadas mais pobres. A elite quer ser funcionária pública. Quem investe em negócio, em empreendimento, são os mais pobres”, analisa. 

Números oficiais

Por serem recentes, os números oficiais em relação à economia das favelas pacificadas ainda é pequeno. Porém, alguns estudos começam a mostrar o perfil dos empreendedores locais. 

Um levantamento feito pelo Sebrae no Morro da Formiga, na Tijuca, a 9ª comunidade a receber UPP, mostra que mais de 40% dos empreendimentos têm mais de 10 anos de existência, o que mostra o enraizamento do comércio local. Segundo Carla, o nível de empreendedores jovens nas comunidades estudadas é maior do que em outros lugares da cidade. 

"Nota-se que a vontade de empreender nas comunidades começa ainda mais cedo do que em outros locais, por conta dos próprios exemplos de sucesso encontrados ali", aponta.

Problemas

De acordo com Elaine Saraiva, 37, sócia do marido numa videolocadora no começo da subida do Turano, a atuação da Prefeitura para ajudar os comerciantes a se legalizarem foi limitada. "Eles vieram aqui mas ficaram muito pouco tempo, não informaram direito. Muita gente se legalizou na hora, mas depois ficou sem saber como agir. Por sorte, eu tinha me formalizado um pouco antes", lembra. 

Ainda não é possível estabelecer todos os benefícios e malefícios econômicos que as UPP's devem trazer. No Complexo do Alemão, por exemplo, o comerciante Marcelo Nascimento de Souza, 38 anos, dono de uma pequena loja informal de materiais de construção, também reclama que os aluguéis dos estabelecimentos aumentaram muito desde a chegada da polícia. "Muita gente inclusive acabou alugando suas lojas para os bancos, que colocaram agências aqui, antes inexistentes". 

Ele aponta ainda que diversos comerciantes do "alto do morro" foram desalojados para a construção da Unidade. "Eles passando necessidade, porque foram deslocados para um lugar que não tem movimento nenhum. Lá em cima ainda tinha mais moradores, mas eles também foram desalojados", reclama. 

Um soldado, que não quis se identificar, também apontou outro problema das comunidades pacificadas: uma nova área de exclusão, onde os traficantes agem com mais liberdade. "São pouco policiais para fiscalizar toda a favela. A gente fica mais próximo aqui da base, mas lá em cima sempre tem apreensão, venda de drogas, a gente sabe que tem".