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Turbulência econômica faz nascer a geração pós-crise

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Daniel Ottaiano, Portal Terra

SÃO PAULO - A geração pós-crise. Este é o conjunto de empresas, governantes, investidores e consumidores que conviverão em um ambiente fruto da grande turbulência do capitalismo ao lado da quebra da bolsa de valores de Nova York, em 1929. Empresas que precisarão ser mais transparentes. Grandes apostas em derivativos, lucros às custas de empréstimos de alto risco? Não mais. Investidores que serão mais rigorosos e menos histéricos. Lucro rápido por meio de empresas com políticas arriscadas, desmonte de posições ao primeiro sinal de perigo? Comportamentos ultrapassados. Consumidores que serão mais conscientes. Cair na tentação do crédito barato e fácil? O risco não compensa. E governos que saberão que seu papel não é nem de intervencionismo exagerado, muito menos de liberalismo total. O mercado regula a si próprio? Nunca mais.

É uma tsunami que se vê uma vez a cada século.

Essa foi a definição da crise dada pelo ex-presidente do banco central americano, o Federal Reserve (FED), Alan Greespan. Quando a onda gigante recuar e o mundo reconstruir a economia por cima dos entulhos, mais conhecidos como ativos tóxicos e créditos podres, as bases serão diferentes das usadas anteriormente e que não resistiram à tormenta. "A crise teve o mérito de balançar algumas falsas convicções", diz o economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

A crise econômica que deu seus primeiros sinais no final de 2007 e é conseqüência de um conjunto de comportamentos errantes de governos, empresas, investidores e consumidores. Os bancos, principalmente nos Estados Unidos, estimulados por lucros rápidos e crescentes, fizeram apostas, que se provaram arriscadas demais. Diante de um mercado saturado e da necessidade de manter os ganhos, emprestaram para quem não podia pagar. Estes clientes também não foram capazes de calcular até que ponto poderiam comprometer-se e deram sua parcela de contribuição diante do consumismo quase que irresponsável. Acionistas estimulados pelos altos dividendos resultados deste cenário também pouco fizeram para estimar o preço que seria cobrado depois. E tudo isto sob as barbas do governo, crente que o mercado poderia criar suas próprias regras.

Desde o ano passado, chefes de Estado e líderes empresariais reúnem-se para saber em que ponto erraram e o que fazer para evitar um novo colapso. Os bancos, responsáveis por ensinar ao mundo o significado do termo subprime (empréstimos a clientes com altíssimas chances de não honrarem seus compromissos), devem ser os primeiros a sentir mudanças: os olhos mais atentos do Estado. "O mundo parte para maior regulação de forma geral", afirma Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria. Líderes das 20 maiores economias do planeta já deram o primeiro passo nesta direção, quando reunidos em Londres, no mês de abril. Uma das conclusões do encontro do G20 é que falta fiscalização e supervisão sobre o mundo financeiro. Após o mea-culpa, ficou decidido que é preciso apertar o cerco aos bancos.

Além de se adaptarem ao cerco mais rígido, não só os bancos, mas corporações de todos os setores conviverão em um mundo de menor crescimento e possivelmente mais protecionista. E serão companhias fragilizadas pelas perdas. Segundo o Boston Consulting Group (BCG), desde o período pré-crise até meados de março, só os bancos perderam cerca de US$ 5,5 trilhões - o equivalente a 10% do Produto interno Bruto (PIB) mundial.

Para quem sobreviver, descobrir quais os novos hábitos do consumidor pós-crise e identificar o momento exato do fim da turbulência para colocar em prática planos mais ousados será crucial, prevê Edison Cunha, diretor da Trevisan Consultoria.

As intervenções (dos governos) não têm precedentes, assim como a própria crise aponta o Boston Consulting Group. A previsão é que as instituições tenham um ambiente mais difícil e desafiador, que persistirá por um tempo ainda indefinido.

Consumidor cauteloso

Embora a crise deva gerar mudanças apenas momentâneas no hábito de consumo, as feridas abertas durante a atual tormenta devem demorar para cicatrizar - pelo menos enquanto o ambiente de pessimismo persistir.

A crise em si não é fator determinante para os hábitos de consumo da população, mas sim fenômenos como alta de preços, porque mexem diretamente com o bolso dele (consumidor) explica Patrícia Menezes, gerente da LatinPanel, empresa especializada em hábitos de consumo dos latino-americanos. Segundo ela, o consumidor é mais sensível às conseqüências e não às causas dos problemas na economia. A especialista afirma que dois pilares ditam o consumo: renda e segurança no emprego.

De acordo com o Boston Consulting Group, haverá sim uma mudança estrutural no hábito dos consumidores: eles se tornarão mais conservadores. Uma nova geração passará a gastar menos, em função da procura mais comedida por empréstimos. "Esse comportamento conservador será reforçado pela diminuição de confiança em mercados de ações e outros investimentos", diz estudo do BCG.

Outro aspecto esperado é que consumidores ampliem seu tempo no mercado de trabalho. Segundo o BCG, a atual geração que se aproxima da aposentadoria viu suas reservas diminuírem com a queda do preço das ações no mercado financeiro e precisarão manter a renda para compensar este fato.

Investimento seguro

Se o consumidor será mais cauteloso, o investidor não terá postura diferente. De acordo com Marco Saravalle, da Coinvalores Corretora, a quebra do banco americano Lehman Brothers foi um marco para uma nova geração de investidores, que devem optar por fugir dos riscos. Este comportamento já pode ser percebido no Brasil, que após uma fuga inicial de divisas, passou a ser cotado como um mercado sólido e que deve se recuperar com maior rapidez.

A bolsa brasileira está tendo uma participação absurda de investidores estrangeiros afirma George Sanders, gestor de Renda Variável da Infinity Asset.

Com um cenário de economia estagnada, bancos centrais pelo mundo baixam juros para estimular empréstimos e a retomada da atividade. O movimento deve atrair mais investidores para renda variável, uma das opções ao retorno minguado dos títulos atrelados aos juros pagos pelos governos.

Estamos caminhando para o investimento a médio prazo (no Brasil). As pessoas terão que olhar mais a longo prazo afirma Sanders. Pelo menos até a próxima crise.