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RIO - O Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) acaba de confirmar o que bons bebedores já sabiam há muito tempo: a cachaça produzida na cidade de Paraty, no litoral fluminense, é especial. O reconhecimento oficial, obtido através do certificado de Indicação Geográfica, não apenas ratifica a velha sabedoria de boteco como também abre novas possibilidades para os produtores da bebida. Agora, só poderá usar o nome Paraty a pinga produzida no município, dentro dos critérios exigidos pela certificação, a exemplo do que já acontece com o espumante produzido em Champanhe, na França, que tem exclusividade sobre o uso desse termo.
- O selo funciona como uma impressão digital; ele atesta a procedência da cachaça e a torna reconhecível internacionalmente. Isso agrega valor ao produto e promove um diferencial competitivo sustentável - explica o gerente geral de articulação institucional do Sebrae-RJ, Olavo Damasceno Ribeiro Filho.
Olavo foi um dos participantes da cerimônia de entrega simbólica do certificado, realizada na noite de terça-feira na cachaçaria Mangue Seco, no bairro boêmio da Lapa, no Rio de Janeiro.
- Assim como nós conhecemos a tequila como mexicana, o rum como jamaicano e o charuto como cubano, o mundo agora passará a ver a cachaça como um produto de Paraty - comemorou.
O percurso traçado até essa conquista não foi fácil. Apesar de a cidade ter tradição na produção da bebida (a atividade surgiu há mais de três séculos e movimentou a economia no período colonial), muitos alambiqueiros ainda estavam na informalidade e enfrentavam dificuldades para posicionar seu produto. Em 1997, quando se iniciou o processo que culminou na concessão do selo, havia apenas três produtores. Hoje, eles são sete, e respondem por oito marcas diferentes, cujos preços por garrafa variam entre R$ 15 e R$ 30: Maria Izabel, Murycana, Paratiana, Labareda, Paraty Colonial, Engenho D'Ouro, Corisco e Coqueiro.
- A idéia é que esse número cresça - Continuamos trabalhando para resgatar os produtores informais e ampliar nossa rede - afirma o presidente da Associação dos Produtores e Amigos da Cachaça Artesanal de Paraty, Paulo Eduardo Gama Filho.
A própria criação da associação, em 2000, foi uma conseqüência do convênio firmado entre os alambiqueiros, o Sebrae e a Fundação Bio-Rio, há uma década, com o objetivo de melhorar os processos de produção e revitalizar os engenhos. Mas os esforços não pararam por aí: em 2006, o Ministério da Agricultura e outros agentes entraram em cena para aumentar a produtividade no plantio de cana-de-açúcar no município. Hoje, devido ao esgotamento do solo, 40% da matéria-prima vem de Caçapava (SP). A idéia é que, em cinco anos, toda a cana utilizada seja produzida em Paraty.
Outra ambição dos alambiqueiros é ampliar as vendas. Segundo Gama Filho, hoje entre 70% e 80% da produção total (na safra passada foram 500 mil litros) é vendida na própria cidade. Mas o grupo já trabalha em um projeto de exportação, cujo principal foco é o mercado europeu.
- O projeto ainda é incipiente, mas vemos boas possibilidades, ainda mais com o certificado de Indicação Geográfica - diz. O selo, aliás, é o quarto já concedido pelo INPI, e o primeiro dedicado à cachaça.
- O encaminhamento do pedido foi feito em dezembro, e pudemos concedê-lo em tempo recorde - afirmou Maria Alice Camargo Calliari, coordenadora geral de outros registros do INPI.
O superintendente do Ministério da Agricultura no Rio, Pedro Cabral, considerou a conquista importante, mas lembrou da responsabilidade que os produtores têm pela frente:
- Eles terão que continuar trabalhando muito para honrar esse selo e aumentar a respeitabilidade dele - afirmou ele no evento.
E, para encerrar a noite, o público pôde degustar as pingas certificadas, que, segundo os produtores, diferenciam-se das demais por terem um buquê tradicional da cana-de-açúcar e serem mais encorpadas. Algumas são envelhecidas em tonéis de amendoim, outras em tonéis de carvalho e há ainda aquelas a que são adicionadas folhas de tangerina no processo de destilação. Qual a melhor? Bom tópico para uma conversa de bar.