ECONOMIA

Crescimento da demanda por petróleo é ocasional e voltará ao patamar anterior em breve, diz analista

David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), fala sobre o impacto da subida na demanda do petróleo no mundo e no Brasil e se esse aumento coloca em risco as metas de emissão zero até 2050

Por Jornal do Brasil
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Publicado em 16/07/2021 às 10:32

Alterado em 16/07/2021 às 10:33

De acordo com dados da IEA, a demanda global de petróleo vai atingir níveis recordes em 2026, a menos que os governos tomem medidas rápidas para cumprir as metas climáticas Petrobras/divulgação

A demanda por petróleo e gás natural este ano deve avançar 3,6%, com a recuperação da economia mundial e após uma queda recorde em 2020, devido às restrições para limitar a subida de casos do novo coronavírus, afirma a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês).

"A demanda de gás natural deve obter uma forte recuperação em 2021 e vai continuar avançando ainda mais caso os governos não implementem fortes políticas para direcionar o planeta em um caminho para emissões zero, até a metade do século", lê-se no relatório da IEA divulgado na semana passada.

A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), por sua vez, estimou nessa quinta-feira (15), em seu relatório mensal sobre o mercado petrolífero, que o consumo global de petróleo vai aumentar 4,8% no segundo semestre deste ano e 3,4% em 2022, reporta a agência Lusa.

Crescimento pontual

David Zylbersztajn, que também é professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), vê com naturalidade o crescimento forte na demanda por gás e garante que é algo efêmero, comparando-o com o efeito de uma mola comprimida, que acumula energia e quando soltamos sobe muito, mas rapidamente retorna ao estado normal.

"É uma compensação. Que nem a economia aqui no Brasil, que deve crescer de 4% a 5% [este ano] e não quer dizer que está crescendo 4% ou 5%. Ela está recuperando o que perdeu. As economias mundiais estão muito deprimidas por conta da pandemia. O setor aéreo, que consome derivado do petróleo, vai voltando aos poucos e é uma demanda que aumenta, a questão da mobilidade urbana aumenta [a demanda também], a produção industrial", explica o especialista em entrevista à agência de notícias Sputnik Brasil.

Zylbersztajn recorda que 2020 e o início de 2021 foram bem difíceis para as economias ao redor do mundo, então não é de se estranhar essa subida na demanda por petróleo.

"Você tem uma demanda pontual, depois vai estabilizar. Não tenho a menor dúvida disso, vai voltar aos patamares anteriores. É bem típico do setor. As curvas de preço se alternam muito em termos de subidas e descidas. No início da pandemia havia petróleo a preço negativo, [agora] tem barril de petróleo acima de US$ 70 (aproximadamente R$ 357), o que não quer dizer nada, na verdade, se você pegar o histórico. Daqui a um ano, um ano e meio pode estar de novo no patamar de US$ 40 (R$ 204)", sustenta o professor.

Acordo de Paris em risco?

O Acordo de Paris entrou em vigor em 2016 e os países signatários se comprometeram a manter o aumento da temperatura média global em menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais, e fazer um esforço para ir além: limitar essa elevação da temperatura a 1,5°C. Quase 200 países assinaram o pacto.

De acordo com dados da IEA, a demanda global de petróleo vai atingir níveis recordes em 2026, a menos que os governos tomem medidas rápidas para cumprir as metas climáticas. A subida deve ser de cerca de 4% e em relação ao nível de 2019 e a Ásia deve liderar o crescimento na demanda e responder por 90% do aumento de 2019 a 2026, de acordo com a agência.

David Zylbersztajn desdramatiza o cenário negro pintado pela IEA, afirmando que é patente a transição energética nos países, que ocorre de forma lenta, mas consistente.

"Esse crescimento em seis anos dá menos de 1% ao ano, e as economias vão crescer mais do que isso, então há um crescimento da demanda do petróleo inferior ao crescimento das economias. O que também faz sentido dentro desse processo de mudança, de transição energética para menos combustíveis fosseis […]. [Os países] estão crescendo cada vez usando cada vez menos petróleo. Então é um processo. Quando falamos da transição é isso que está acontecendo. Um processo permanente da redução relativa da participação do petróleo nas economias. Não vai ser da noite para o dia", diz David.

O ex-diretor da ANP acrescenta que, se o petróleo teve uma demanda baixa em 2020 e início de 2021 e vai ter um crescimento inferior a 1% até 2026, as outras fontes de energias estão crescendo em um ritmo forte: "não teve uma desaceleração das outras fontes de energia".

Petróleo mais caro?

O preço do barril de petróleo registrou na semana passada o maior valor dos últimos sete anos. A cotação do barril para entrega em agosto atingiu o valor de US$ 76,98 (R$ 393,74). Na terça-feira (13), o preço recuou para US$ 75,25 (R$ 384,89) o barril.

A alta no preço do petróleo tem relação com as incertezas sobre o ritmo de produção por parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (OPEP+). A expectativa era que a OPEP+ impulsionasse a oferta, porém as discussões foram interrompidas sem um acordo.

David Zylbersztajn não acredita que o preço suba muito mais, principalmente no médio, longo prazo.

"O tradeoff deles [OPEP+] é muito complicado. Por exemplo, se o petróleo se estabilizar em torno desse valor, você acaba acelerando essa substituição [para outras fontes de energia] […] as energias que competem com o petróleo se tornam comparativamente viáveis. A Arábia Saudita deixa isso muito claro: o petróleo muito alto para ela é mal negócio porque [os países] acabam usando as outras fontes. [O barril] a US$ 70 (R$ 356,14) é ótimo no curto prazo, mas no médio e no longo prazo você acaba perdendo mercado. O mercado não está tão dependente do petróleo como antes, cada vez menos até", comenta Zylbersztajn.

O professor da PUC-Rio recorda que a subida do preço é tão circunstancial quanto o aumento atípico na demanda. A tendência é que o preço caia porque a oferta tem sido sempre maior do que a demanda, afirma.

"Eu acredito que nos últimos anos houve uma expansão de oferta maior do que a demanda. Só que neste momento, por causa da pandemia [do novo coronavírus], você teve uma depressão dos preços em função da redução da demanda. Crescer quase 4% não é comum e não vai se repetir ano que vem seguramente", assevera o professor.

Impacto da alta do petróleo no Brasil

A OPEP elevou nesta quinta-feira (15) a previsão para o crescimento do Produto Interno Bruto do Brasil em 2021, de 3% para 3,2%. Para 2022, a organização projeta expansão de 2,5%.

No relatório, a Opep reduziu a previsão para a oferta de petróleo brasileiro este ano, de 3,81 milhões de barris por dia para 3,80 milhões de barris por dia. Para 2022, a previsão é de que a produção suba para 3,99 milhões de barris por dia.

David Zylbersztajn explica que há um lado bom nesse boom da commodity, mas destaca que também há um lado ruim.

"O Brasil exporta bastante petróleo, por outro lado, a política de preços internos está alinhada com os preços internacionais. Os preços inflacionários serão sentidos aqui no Brasil. Tem o lado bom, em termos de balança comercial, mas tem o lado ruim, que é muita inflação. Acho que o fato da inflação é pior que a balança comercial", frisa.

O professor da PUC-Rio acrescenta que o mercado interno brasileiro já está sofrendo com o boom de commodities em geral, não só do petróleo. "É muito bom para a nova balança comercial, não tenha dúvida que nós vamos nos beneficiar disso. Os setores exportadores vão se beneficiar disso, agora para quem não está nesse meio não vai ser bom. Para o consumidor aqui não é bom, e vai ter que se adaptar a essa nova conjuntura." (com agência Sputnik Brasil)