SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Se o objetivo de Donald Trump ao declarar uma guerra comercial era elevar as vendas das empresas de fora da China, ele conseguiu. O problema é que isso não está acontecendo nos EUA.
Levantamentos sobre o impacto do conflito entre as duas superpotências mostram que os vencedores estão na União Europeia, no México, no Canadá, na Coreia do Sul e até no Brasil, entre outros países.
Segundo cálculos da Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento), dos US$ 250 bilhões em produtos exportados pela China sujeitos a sobretaxas nos EUA, 82% devem passar a ser fornecidos por outros países e 12% continuarão nas mãos de chineses, enquanto apenas 6% ficarão com os americanos.
Na via contrária, a tendência é exatamente a mesma. Dos US$ 110 bilhões em produtos americanos que sofrem com tarifas extras na China, 85% tendem a capturados por outros países, os EUA podem manter 10%, e as empresas chinesas ganharão apenas 5%.
Isso acontece porque as sobretaxas tendem a reduzir o comércio bilateral entre China e EUA e desviar a demanda para terceiros países. As tarifas não alcançam, portanto, o resultado para o qual supostamente teriam sido criadas: proteger os respectivos mercados.
Graças a empresas altamente competitivas, principalmente na Alemanha, a União Europeia deve ficar com o maior fatia, abocanhando US$ 70 bilhões do comércio bilateral entre EUA e China -US$ 50 bilhões de exportações chinesas para os americanos e US$ 20 bilhões na vida contrária.
Em proporção ao tamanho das exportações, o país que mais vai se beneficiar é o México. Parceiros dos Estados Unidos e do Canadá no Acordo Estados Unidos-México-Canadá, que substituiu o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), os mexicanos devem exportar US$ 27,9 bilhões a mais, o que significa 5,9% das vendas externas.
Os especialistas alertam, todavia, para o fato de que esses ganhos são de curto prazo, porque barreiras comerciais desestimulam o comércio global, afetam os preços das commodities e as moedas do países e acabam reduzindo o crescimento da economia. A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) estima queda do PIB global de 0,7% entre 2021 e 2022.
"Alguém sempre sai ganhando numa guerra comercial, mas é por pouco tempo. Os impactos negativos são maiores", diz Vera Thorstensen, professora da FGV. "O efeito positivo que vemos agora é apenas conjuntural", concorda Sandra Ríos, diretora do Cindes (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento).
A guerra comercial entre China e EUA teve suas primeiras "batalhas" no início de 2008 e rapidamente escalou. Em setembro, Washington adotou sobretaxa de 10% para US$ 250 bilhões em importações da China. Pequim retaliou e impôs taxas entre 5% e 10% para US$ 110 bilhões em produtos americanos.
Três meses depois, os dois lados selaram uma trégua e passaram a negociar um acordo, sem muitos avanços. No início do mês, Trump elevou as taxas contra a China para 25%, e o dirigente chinês, Xi Jinping, anunciou que as sobretaxas contra os EUA subiriam para algo entre 20% a 25% no início de junho.
O pano de fundo do conflito são o expressivo déficit comercial dos EUA com a China, que chegou a US$ 419 bilhões em 2018, e a preocupação dos americanos com a política industrial chinesa, que obriga empresas dos EUA que querem operar no país asiático a transferir tecnologia.
No caso do Brasil, os economistas da Unctad estimaram que o país pode ganhar US$ 10,5 bilhões em exportações extras, o que representa 3,8% do total de vendas do país. O setor mais beneficiado tende a ser o agronegócio.
De acordo com levantamento da CNI (Confederação Nacional da Indústria), as vendas de soja do Brasil para a China cresceram 34,6% em 2018 em relação a 2017. Não foi o único produto. O avançou chegou a 60,1% na carne bovina, 270,8% no algodão e 376,3% no milho, entre outros produtos agrícolas. No total, o Brasil exportou US$ 8,1 bilhões a mais para os chineses no ano passado em produtos afetados pelas sobretaxas impostas contra os EUA.
Para Fabrizio Panzini, gerente de negociações internacionais da CNI, a indústria brasileira não está conseguindo aproveitar a oportunidade gerada pela guerra comercial para incrementar a venda de produtos manufaturados para os EUA por falta de acordos de preferências tarifárias.
(RAQUEL LANDIM)