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Começando a discutir a problemática do crack

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O consumo de crack vem aumentando na nossa sociedade por uma série de motivos. O baixo custo, devido ao fato de o crack ser um subproduto da cocaína, e o altíssimo poder de criar dependência podem ser apontados como os principais responsáveis por esse aumento. Ao ser inalada, a droga vai direto para os pulmões, onde encontra uma grande superfície interna de mucosa capaz de absorvê-la. Dessa forma, o crack passa rapidamente para a corrente sanguínea e chega ao cérebro em questão de segundos.

Quando uma pessoa se torna dependente da droga, ela passa a ser assombrada por uma ideia fixa de que o mal-estar causado pela ausência da droga só poderá ser curado com um novo consumo. Isso explica por que muitos usuários abandonam suas vidas e vão para as ruas, passando a viver em condições precárias, negligenciando a higiene e até mesmo a alimentação. O dependente de crack não encontra sentido em nada além de levantar recursos para poder consumir a droga durante o tempo que puder. O desejo incontrolável de consumir a droga elimina qualquer barreira que esteja no caminho para consegui-la. Com o único objetivo de aliviar os sintomas da abstinência, esses usuários se tornam uma ameaça para si mesmos e para todos que os rodeiam.

Remover os usuários das ruas e oferecer um breve período de desintoxicação representa uma modesta contribuição para um problema de grande porte. Além da desnutrição e de todas as consequências geradas pela falta de higiene e cuidados pessoais básicos, os usuários de crack apresentam um alto risco de contraírem doenças respiratórias, cardiovasculares e tuberculose. As complicações psiquiátricas também são um alvo importante dos cuidados médicos, desde as alterações presentes durante uma fase de intoxicação aguda até as que ocorrem durante a síndrome de abstinência. 

Não podemos esquecer de que estamos lidando com pessoas muito doentes. Pessoas que não enxergam mais o sentido da vida sem a droga e que não serão capazes de se livrar da compulsão e da obsessão sem que haja um suporte médico. São pessoas que não têm como decidir como desejam agir, pois não são mais elas que orientam suas próprias vontades. Elas deixaram de gerenciar seus hábitos, seus comportamentos e seus pensamentos — estão completamente à mercê de seu vício. 

O tratamento do usuário de crack é feito sob um rígido sistema que envolve acompanhamento médico, psicológico e social. Enquanto o usuário não estiver amparado em todos esses aspectos, sua vida estará em risco, seja pelos perigos da vida na marginalidade, seja pelas consequências físicas e mentais do uso da droga ou mesmo pela overdose. Um programa de recuperação que não seja consistente ao acolher e determinar um plano de ação médica, sem metas para um tratamento de reabilitação duradouro representa um desperdício de esforços e recursos. A simples interrupção momentânea do uso não é uma medida eficaz. O trabalho do comportamento, a mudança de hábitos, o resgate de valores, bem como o ensinamento de como lidar com tudo aquilo que pode servir como gatilho para uma recaída, são fundamentais para um sólido programa de tratamento.  

A reinserção social e o resgate familiar também são metas importantes a serem traçadas. É importante que a família, símbolo de um dos mais importantes núcleos interpessoais na nossa sociedade, receba a informação de que um dependente químico é uma pessoa doente. Isso fortalece a cooperação por parte da família em relação ao tratamento, uma vez que fica clara a necessidade de um acompanhamento médico. Permitir que se faça um tratamento médico por uma equipe treinada na área de saúde mental significa permitir ao usuário que ele tenha uma chance de resgatar sua dignidade, sua saúde e sua própria vida. 

* Angela Hofmann é psicanalista especializada em dependência química.

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