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Pag. 19 - Herança maldita

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O nosso PIB encolheu, e a propensão será encolher ainda mais, diante das crises econômicas Thelman Madeira de Souza MÉDICO I deologia dominante no século 21, o neoliberalismo faz do ser humano um apêndice da economia. Inspirado por Friedrich Hayek, um austríaco radicado nos EUA, espalhou-se pelo mundo todo e transformou-se na base do chamado pensamento único, cuja verdade é a realidade dura do mercado.

Com a pretensão de dar uma visão completa do ser humano, o neoliberalismo cai como uma luva para o capitalismo, ávido que é por uma maneira eficaz de manipular mentes em todo o planeta, valendo-se da visão totalitária desta ideologia, cuja preocupação maior é libertar a economia de princípios morais. Assim, bastaria apenas a liberdade de mercado, e os problemas sociais seriam superados.

Dessa maneira, afastados os valores morais, o neoliberalismo entra na América Latina, onde encontra um terreno fértil e acolhedor, devido às características culturais e sociais da região. No mais, foi recebido por uma elite, cuja característica fundamental sempre foi a atração por reproduzir o que os países desenvolvidos faziam, ainda que importando tecnologias, bens e serviços, através do apelo às multinacionais. Essa maldição, para os países periféricos, se consolida em nosso país com o governo FHC, com o esvaziamento do papel do Estado e a alienação das riquezas nacionais aos interesses estrangeiros.

Essa era a herança maldita à qual Lula se referia, após suceder o governante tucano. Embora correto em seu diagnóstico, Lula não entendia que o modelo herdado vinha de fora de nossas fronteiras e nos era imposto pelas potências hegemônicas, coroando uma nova ordem mundial excludente. Paradoxalmente, dele não abriu mão, preservando a política econômica herdada, respeitando os contratos nocivos à nação e usufruindo, junto com os companheiros petistas, das sobras das burguesias nacional e internacional predadoras. Vira e mexe, ele falava na malvada, jogando fumaça nos olhos do povo, enquan to aumentava os juros, fechava os olhos para os escândalos do seu governo, privatizava terras devolutas na Amazônia e sucateava a saúde. Apesar disso, com a ajuda de programinhas compensatórios, mantinha um alto índice de popularidade, o que lhe permitiu eleger uma figura bisonha e inexpressiva no mundo político, a mãe do PAC, Dilma Rousseff.

Versada em economia, Dilma Rousseff sabe, melhor que o seu mentor, que receberá um país de economia frágil, dependente do capital financeiro internacional e que sua herança, tal qual a de Lula, não será ditosa, embora afirme o contrário. Na condição de herdeira ungida contra a vontade do PT e da lógica da política, Dilma receberá das mãos de Lula um espólio problemático, marcado pelas alianças espúrias em nome da governabilidade e contaminado pela velha política dos coronéis, onde prevalece a vontade dos clãs, normalmente corruptos e insensíveis à problemática social.

A observação atenta da transição governamental, de Lula a Dilma Rousseff, mostra uma perspectiva sombria para o futuro governo. A mudança de comando da nação vem mostrando a verdadeira face de Dilma que, agora, nega compromissos de campanha, ao mesmo tempo em que expõe o clima apequenado da troca de favores na escolha do seu ministério.

Quando a presidente eleita, apesar da fama de enérgica com os subordinados, acata mansamente as imposições de Lula e cede ao apetite voraz do PMDB, ela se fragiliza politicamente. Ao indicar dez ministros de Lula, carreiristas dos partidos de aluguel e até processados pela Justiça, constrói um ministério de apaniguados sem compromisso com uma proposta de desenvolvimento nacional, e, tampouco, com uma coerência político-ideológica. Esse amálgama de oportunismo e interesses subalternos encerra um grande potencial explosivo e, antes que se possa imaginar, irromperá numa forma mais sofisticada de mensalão, para vergonha da nação.

Enquanto isso, pesquisa recente do IBGE derruba o mito do crescimento econômico na era Lula, mostrando que o Brasil cresceu menos que a América Latina como um todo. O nosso PIB encolheu, e a propensão será encolher ainda mais, diante das frequentes crises econômicas do mundo globalizado. A realidade, depois das eleições, anuncia um corte substancial no Orçamento de 2011, que abalará, com certeza, as políticas sociais. Esse corte atingirá em cheio as obras do PAC, contrariando o que Dilma Rousseff negava durante a campanha eleitoral. Os investimentos em saúde, educação e saneamento básico, tão aguardados, não sairão dos palanques da campanha petista. Mantendo-se a tendência da economia mundial, à futura presidente só restará manter militantes petistas na máquina pública, dar continuidade ao uso do Bolsa Família, fazer o ajuste fiscal ditado pelo FMI e pavimentar o caminho para o retorno de Lula em 2014.