Na época das compras virtuais, assépticas e impulsionadas por algoritmos, o que pode oferecer uma livraria? Segundo o autodefinido colecionador dessas lojas Jorge Carrión, catalão autor do recém-lançado “Livrarias - Uma história de leitura e de leitores” (Editora Bazar do Tempo, R$ 56), a resposta é simples: “Tudo o que a Amazon não pode dar: tratamento pessoal, conversa, sugestões, café ou vinho, emoção, senso de comunidade ou culto ao livro e a seus ofícios. Elas são necessárias por sua escala humana e porque nos permitem reconectar com a matéria, com o corpo, com o toque, com o papel, com o olhar, depois de tantas horas de conexão com a tela por dia”.
Em seu livro, Carrión percorre lojas ao redor do mundo e concebe um grande mapa do comércio livreiro mundial. Há de revelações da Roma Antiga a preciosidades da relação contemporânea entre leitores, escritores e as lojas que os unem. Do Rio, onde Carrión esteve três vezes, estão presentes a Travessa, chamada de irmã de uma livraria da Austrália e de outra da Argentina, e a Leonardo da Vinci, à qual o autor se refere como a provável “livraria mais poetizada do mundo” – das reverências em verso à loja de Dona Vanna, a mais famosa é de Drummond. As duas lojas fazem parte de uma tradição de mais de três séculos e meio, que inclui, entre as que não estão mais entre nós, Paula Brito, Laemmert, Garnier, Francisco Alves, Kosmos, São José, José Olympio, Civilização Brasileira e Padrão. Cada um desses estabelecimentos é resultado daquilo que o jornalista e escritor Ubiratan Machado, em sua “História das livrarias cariocas” (Edusp, 2012), define como a “esperança e capacidade de sonhar de um grande número de profissionais que, com ou sem sucesso, contribuem para a circulação do livro na cidade”.
Como forma de homenagem a este elo fundamental da cadeia do livro, profissional cujo ofício é conhecer as obras em sua variedade e profusão, da gastronomia à ficção científica, o JORNAL DO BRASIL foi atrás da resposta à pergunta: quais obras os livreiros recomendam? Foram pedidas indicações das obras que os comerciantes mais sugeriram em suas vidas e de novidades lançadas nos últimos dois anos, para criar um mosaico do que eles leem. A aposta é aquela que Carrión delineia em minúcias: “O livreiro é a alma de uma livraria. O seu centro, às vezes visível, às vezes invisível. É uma espécie de DJ que sabe qual música deve tocar em cada hora, quando deve ser um guia intelectual e quando deve criar ambientes emocionais, quando deve falar com um possível cliente e quando deve permanecer calado. Ele reúne o melhor de um bom barman e de um bom bibliotecário”.
DANIEL LOUZADA Leonardo da Vinci
“‘Desonra’, de J. M. Coetzee (Cia das Letras, R$ 50), é a minha proposta mais constante. Um romance impactante e tenso sobre um professor que cai em desgraça por ter um relacionamento com uma aluna. O pano de fundo dessa descida pessoal ao inferno é a África do Sul pós-apartheid. Também recomendei muito ‘A trégua’, de Mario Benedetti (Alfaguara, R$ 50), uma história de amor no Uruguai dos anos 1950, e o espetacular ‘O homem que amava cachorros’, de Leonardo Padura (Boitempo, R$ 67), um livro para quem gosta de história do século XX e policiais. Dos lançamentos, sugiro ‘Stoner’, de John Williams (Rádio Londres, R$ 58). Coincidentemente, esta é também a história de um professor de literatura. O livro acompanha a vida dele durante 50 anos, vida esta sem eventos marcantes, baseada na contenção, na passividade e na busca pelo conhecimento”.
FLÁVIO CASTRO Travessa
"Sugiro, antes de tudo, 'Galáxias’, de Haroldo de Campos (Ed. 34, R$ 70). É um livro de uma radicalidade ímpar na literatura brasileira. Como bem definiu Caetano, é uma autência ‘proesia’, que dialoga com toda uma tradição inventiva da linguagem e ombreia com ‘Grande sertão: Veredas’, de Guimarães Rosa. Dentre os recentes, recomendo os dois livros recém-lançados simultaneamente pela Relicário, de Minas, da poeta argentina Alejandra Pizarnik: ’Os trabalhos e as noites’ e ‘Árvore de Diana’ (R$ 40 cada). Poeta de linguagem concisa, admirada por nomes como Julio Cortázar e Octávio Paz, a autora se suicidou aos 32 anos, abreviando uma obra poética que já era das mais significativas, ao contrário de outros escritores que viraram referência exatamente por terem tirado a própria vida”
LAURA GASPARIAN Argumento
“Tenho duas recomendações para o livro que mais indiquei na vida. O primeiro é ‘Um defeito de cor’, da Ana Maria Gonçalves, que foi lançado em 2006 e ganhou uma edição comemorativa (Record, R$ 100). É um livro muito bem escrito que conta a vida de uma escrava no Brasil do sec. XIX, a mãe do poeta Luís Gama, homenageado na Flip. Absolutamente imperdível! Outro é ‘Arroz de palma’ (Record, R$50), de Francisco Azevedo. É um livro delicioso que retrata a vinda de uma família de emigrantes portugueses para o Rio de Janeiro no século passado. Recentemente, elejo ‘Stoner’ de John Williams (Rádio Londres, R$ 58). Escrito de uma maneira muito sensível, retrata a história de um ? lho de camponeses humildes nos Estados Unidos entre 1910 e 1950 que descobre sua paixão pelos livros, vai para a universidade e se torna professor de literatura”.
RODRIGO FERRARI Folha Seca
“‘O negro no futebol brasileiro’, de Mário Filho (Mauad, R$ 60), se encaixa perfeitamente no nosso per? l de livros e sempre está na nossa vitrine. Além de ser um dos maiores clássicos da literatura do Brasil, foi escrito por um dos meus autores prediletos, irmão de outro craque, Nelson Rodrigues. Alçado por Gilberto Freyre à condição de tratado de sociologia do futebol, é um clássico que não pode faltar nas estantes de nenhuma livraria ou biblioteca. Das novidades, ’A hipótese humana’, de Alberto Mussa (Record, R$ 38). É ambientado no Rio de meados do séc. XIX, no então subúrbio do Catumbi, onde um crime acontece. Os suspeitos são apresentados aos poucos e transformam a narrativa num redemoinho que confunde o leitor e revela uma trama intricada e deslumbrante. É o quarto de uma série de cinco policiais. Lançaremos o último na livraria em agosto”.
DANIEL CHOMSKI Berinjela
“Gosto de recomendar livros que formem leitores. Por isso, escolho ‘A metamorfose’, de Kafka (Companhia das Letras, R$ 30), ‘O jogo da Amarelinha’, de Cortázar (Civilização Brasileira, R$ 53) e “On the road - Pé na estrada”, de Jack Kerouac (LP&M, R$ 30). Lembro da sensação única de deslocamento e prazer que me provocaram. Sem medo de errar, devo minha pro? ssão a esses autores. Mas também ? co atento ao que os jovens leem. [A poeta] Julia Manacorda, por exemplo, acha imperdível o poeta Franklin Alves Dassie. Em relação aos lançamentos, um sebo tem seu próprio tempo e não se pauta por eles. Algo novo que continuo lendo e descobrindo detalhes é ‘O livro das postagens’, de Carlito Azevedo (7 Letras, $ 29). O poema-prólogo ‘Livro do cão’ ? ca martelando, provocando o mesmo sentimento que o jovem leitor tem quando percebe algo relevante para a sua vida”.
NÉLIDA CAPELA Blooks
“Indico, por exemplo, ‘O Amante do Vulcão’, de Susan Sontag (Cia. das Letras, R$ 73), pois presta uma homenagem a Machado de Assis. Gosto também de propor o José Luis Peixoto e o Gonçalo Tavares, dois escritores portugueses por quem sou apaixonada, um pela prosa poética, outro pela crítica contundente ao humano. Também a a poesia de Maria Isabel Iorio, 'Em que pensaria quando estivesse fugindo' (Uratau, R$ 35). Ela é jovem, contestadora, mas de uma sutileza e um talento poético! Nos últimos anos venho aprendendo muito sobre a literatura de autoras negras, sejam africanas, brasileiras ou de outros países. Recomendo ‘A Mulher de Pés Descalços’, de Scholastique Mukasonga, autora ruandesa lançada pela NÓS (R$ 35). Indico esse livro para que o leitor conheça mais de Ruanda além do massacre, como os costumes e a cultura”.
CLÁUDIA AMORIM Malasartes
“Os infantis eternos são os que mais sugeri: ‘O saci’, de Monteiro Lobato; ‘Marcelo, marmelo, martelo’, de Ruth Rocha; ‘Menina bonita do laço de ? ta’ de Ana Maria Machado; ‘Flicts’, de Ziraldo; ‘Pote Vazio’, de Demi (todos disponíveis por várias editoras). Crianças que ouvem essas histórias quando pequenas com certeza serão leitores quando crescerem. Dos recentes, aponto os ‘Mitos Gregos’ recontados por Eric A. Kimmel (WMFMartins Fontes; R$ 65) Todas as crianças deveriam conhecer os mitos gregos e os contos clássicos ainda pequenas, para saber a origem da maioria das histórias que são temas de ? lmes e desenhos e conseguirem imaginar os personagens. Os livros estão chegando cada vez mais cedo às mãos das crianças, por isso elas querem cada vez mais histórias mais complexas, bem contadas e bem escritas”.
ROSANA SANCHEZ Timbre
“‘Arroz de Palma’, de Francisco Azevedo, autor brasileiro, é o livro que mais receitei nos últimos cinco anos (Record, R$ 50). É um romance sobre a memória que emociona a cada página. O narrador Antonio, aos 88 anos, prepara um almoço que será servido à família. Enquanto cozinha, lembranças das histórias que a tia Palma contava vêm à tona. É a saga de uma família portuguesa que chegou ao Brasil cheia de sonhos e aqui ? ncou raízes. Mais recentemente, nossos estoques sempre têm “Sapiens” (L&PM, R$ 60), do israelense Yuval Noah Harari, que aborda a história da humanidade sob uma perspectiva inovadora, ao colocar a imaginação como fundamental para a aventura humana. Explica, por exemplo, que o capitalismo é a mais bem-sucedida religião e que nós modernos provavelmente não somos mais felizes que nossos ancestrais”.