Basta fechar os olhos e apenas ouvir: a cadência martelada da voz revela a presença de Bibi Ferreira, uma das maiores intérpretes brasileiras. Cantando, a emoção aumenta, pois a voz traz à tona o coração. Uma olhada discreta à pequena figura e a certeza se impõe, especialmente pelo cabelo com corte chanel, óculos vistosos, ombros levemente curvados, cabeça fincada no tronco, enfim, o perfil detalhado da diminuta cantora. Mas, ao mirar diretamente a mulher à sua frente, o espectador vai se deparar com a atriz Amanda Acosta, protagonista do espetáculo Bibi, Uma Vida em Musical, que estreou no Teatro Bradesco e que conta a história familiar, profissional e amorosa da artista.
Amanda é um assombro em cena - no papel de Bibi Ferreira, ela presta uma homenagem sem se limitar a apresentar uma cópia. Desde os trejeitos até a entonação vocal, a atriz surpreende pela fidelidade de sua interpretação. "Presto a minha homenagem a ela, preparo todo o meu ser para servir a Bibi e à história dela, é um mergulho intenso a cada sessão", comenta Amanda.
Escrito por Artur Xexéo e Luanna Guimarães, o espetáculo acompanha todos os grandes momentos de Bibi Ferreira, desde seu nascimento, festejado pelo pai, o ator Procópio Ferreira (1898-1979), que a encaminhou para a carreira artística, até a consagração como intérprete de grandes musicais internacionais (My Fair Lady, O Homem de La Mancha, Alô, Dolly) e nacionais (Gota dÁgua), sem se esquecer das homenagens que prestou a outros grandes intérpretes, como Edith Piaf, Amália Rodrigues e Frank Sinatra.
Diante de uma história tão rica, os roteiristas optaram por um caminho ficcional: ambientar a trama em um circo, onde a tradicional peça apresentada por esses artistas conta a história de Bibi. Assim, a trajetória da atriz/cantora é narrada (e comentada) pelos artistas do circo Queirolo, comandados pelo Apresentador, papel representado por Leo Bahia, sempre um ator versátil e exímio na comédia.
Ao seu lado, estão a Cartomante (Flavia Santana) e a secretária de Bibi (Luisa Vianna), especialista sobre a artista. Nascida Abigail Izquierdo Ferreira, em 1922, Bibi sempre gostou de contar a certeza do pai de que ela seguiria a carreira artística. "Não quero mais morrer! Nasceu a primavera da minha vida. Ganhei uma filhinha de nome Abigail, a quem chamarei de Bibi. Ela vai cantar, representar e fazer muitas coisas bonitas em um palco", escreveu Procópio a um amigo. O ator, aliás, é interpretado com brilhantismo e raro carinho por Chris Penna.
E, como prova de que não estava blefando, Bibi estreou no teatro com apenas 24 dias de vida, ao substituir no palco uma boneca que desaparecera pouco antes do início da peça Manhãs de Sol, escrita por seu padrinho, Oduvaldo Viana (pai), marido da cantora Abigail Maia.
A primeira aparição de Bibi foi no colo de sua madrinha, de quem herdara o nome. Os críticos apontam Procópio Ferreira como um ator de comunicação exuberante, mestre ao matizar suas frases com as mais ricas inflexões, capaz de levar a plateia ao delírio com um simples revirar de olhos.
Inspirada por tal respeito à profissão (Procópio, aliás, lutou a vida toda pela profissionalização de seu ofício), Amanda entregou-se a uma preparação espartana. Primeiro, gravou sua versão de L'Accordéoniste, trabalho cuja delicadeza convenceu as produtoras Cláudia Negri e Thereza Tinoco a elegê-la a protagonista inconteste do musical. "Comecei, então, a estudar todo dia - até minha família entrou nesse ritmo, pois comecei a assistir a todos vídeos possíveis da Bibi, suas entrevistas e shows. Li tudo o que estava disponível sobre ela. Fiz uma imersão até descobrir aquela cadência da voz falada, o timbre da voz cantada (um pouco mais nasalada), o vibrato caprino característico da Bibi, que não é o meu. Esse papel me faz evoluir como atriz e cantora."
O resultado foi aplaudido pela própria Bibi, que assistiu ao espetáculo no dia 25 de março, no Rio. Emocionada, entoou as canções famosas junto com Amanda. Brincalhona, respondia com "aqui!" quando seu nome era mencionado no palco. Ao final, posou para fotos ao lado do elenco. E, ao se aproximar de Amanda, comentou: "É muito bom fazer esse papel, né?". A atriz respondeu: "Cê pode imaginar, né?". (Colaborou Grazy Pisacane)
BIBI, UMA VIDA EM MUSICAL
Teatro Bradesco. Shopping Bourbon. R. Palestra Itália, 500. 5ª, 19h. 6ª e sáb., 21h. Dom., 20h30. R$ 75 / R$ 150. Até 1/7
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.