O musical “Nara – A menina disse coisas”, em cartaz no Teatro Ipanema, já nomeia ao colocar o verbo no presente a intenção do idealizador Christovam de Chevalier: Nara Leão, uma das mais importantes intérpretes da MPB ainda deve continuar sendo lembrada, tal foi o papel que desempenhou em todos os movimentos de nossa música: Bossa Nova, festivais, Tropicalismo, samba de raiz, Jovem Guarda.
A peça abre com um episódio marcante, o início do m da trajetória de Nara, quando se manifesta em um show de Carlos Lyra, em 1982, o tumor cerebral que a mataria. Aline Carrocino, também produtora da montagem, aparece com o mesmo gurino que Nara usou no show “Opinião”. Nesse instante, já se percebe que a história que se vai contar é atemporal. É o desenvolvimento de um conito de alma. O texto do jornalista Hugo Sukman em parceria com o diretor e ator Marcos França opta pela construção do conito pessoal da cantora, transformada em uma personagem , cujo percurso de sucesso é uma estrada com os desvios, causados mais pelas decisões pessoais do que impostas pelo chamado mercado. Reete as mudanças e conitos especícos para as mulheres que começam a se projetar independentemente em um mundo masculino.
Os autores constroem um roteiro que não explica fatos da vida privada de Nara, apenas aqueles que pontuam a sua divisão entre ter sucesso e se recolher nos seus desejos. Não explica como conheceu Cacá Diegues, e nem o casamento deles, não fala de seu segundo lho, mas mostra a sua rmeza em terminar o romance com Ronaldo Bôscoli, a sua forte relação com o pai. Não é Nara a persona, a jovem de Zona Sul em cena. É uma mulher , com todas as aparentes qualidades como beleza, amor, sucesso, que as recusa, não entende os porquês. Esse é o leit-motif: não quero ser o que querem que eu seja.
O texto tem algo de híbrido. Não é um monólogo, mas também não é formado por diálogos. E não chega a formar um uxo de consciência. Nara possuía diários nos quais anotava seus sonhos. O texto reproduz parte desses cadernos e material pesquisado na imprensa. São observações, apelos reiterados. A inserção da crônica de Drummond, da qual se retirou o título, é o único momento de uma voz exterior.
A direção de Marcos França ressalta as canções que funcionam como hipertexto ao esclarecer algo que está mais no sentimento de Nara do que no momento em que ela canta. E Aline Carrocino , boa de canto, faz uma Nara meio tímida, meio contida, mas uida na mensagem, enquanto Marcos França desempenha os diversos papéis masculinos. Ao nal do espetáculo, o que se vê é como se pode construir uma trajetória, sobretudo em uma biograa musical, sem os fáceis mimetismos da biografada e sem as excessivas referências elogiosas, que reaviva um determinado momento colocando-o nos holofotes do presente. Nara Leão não se torna nem um mito e nem uma heroína. A peça mostra a sua importância, de seu repertório e, como foi pensada, é um puxão de orelhas ao seu esquecimento.
* Professora do Depto de Comunicação da PUC-Rio e doutora em Letras
Serviço
Nara – A menina disse coisas Com Aline Carrocino e Marcos França Teatro Ipanema (R. Prudente de Moraes, 824 - Ipanema. Tels: 2267-3750/8765) De seg. a sáb, às 20h30. Até 21/5 Ingressos a R$50 e R$ 25 (meia) Duração: 90 minutos Indicação: Livre