Quem já esteve ouvindo boa música em bons locais de jazz esteve familiarizado com aquela cena clássica de um final de noite nesse tipo de espaço. Restam ali pouquíssimos casais - às vezes somente um - e músicos naturalmente um pouco cansados por conta de um final de noite, ainda tocam mas sem dúvida mais lentos e mais concentrados em si mesmos.
A conversa nas últimas mesas não cessa e os músicos mais a vontade conversam algo entre eles, um comentário, uma observação ou uma memória qualquer. Um final de festa pode soar como algo prolixo, um final de ano nos remete às vezes a uma repetição previsível das mesmas ações. O fato é que silêncios, um certo recolhimento e reflexão produzem resultados incríveis em um momento onde um final de ano ou um final de festa deveriam servir como insumos que nutrem e nos oferecem acalento, e de quebra solução. A necessidade humana de sobrevivência psíquica é capaz de produzir novas demandas e que acima de tudo dêem conta de não deixar calar jamais o desejo. Sem esse último não se vive. É dele que advém o potencial de metamorfose que existe em casa um de nós; uma dor que é transformada em missão, necessidades básicas que sublimadas tornam-se produção, uma perda que ao mesmo tempo amputa e elege novas soluções, uma saudade que um dia foi ferida e que hoje é doce ou mera recordação. O país amanheceu cheirando a brioches o ano inteiro.
Desconhecíamos essa maneira de fazer revelar nosso descontentamento com dirigentes que há muito haviam se apropriado da nação. Se isso ocorreu é porque de fato pouco sabíamos sobre nossas intenções. Por isso a Psicanálise se orienta sempre na direção do desejo de cada um. O que vc quer...? Com quem? Como...? Onde...? Somente a partir daí pode se saber a que continente (lugar) a gente pertence, qual idioma (qual linguagem) vamos usar, e assim nossa vizinhança, nossos valores, nossos amores. À nossa existência se impõe fatores que independem da nossa vontade. Como no fluxo das marés, acontecem movimentos que maiores que nós nos impelem a coexistir lado a lado à adversidades. Ao sábio navegador cabe orientar suas velas nunca "against the wind" (nunca contra o vento). Mas todo o resto é fruto de nossos desejos, escolhas e consequências.
Ficar depende de nós. Não ficar também. A escolha do nosso caminho é o maior patrimônio que se pode ter. Ele nos organiza, orienta, representa e com isso legitima quem somos . Esse patrimônio nos permite fazer muitas escolhas (uma de cada vez) mas mais de uma vez ... A convicção de que teremos a nosso dispor sempre outras chances faz do nosso trajeto um percurso mais amigo, mais cúmplice e sempre... a nosso favor. Mudar e acreditar vem de "esperançar", ir em busca de um caminho. O pior naufrágio é não partir. Feliz ano novo a todos. !
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Cynthia Bezerra, psicóloga e psicanalista. Atende em consultório particular. Administra a página CONSULTÓRIO DE PSICOLOGIA www.facebook.com/CONSULTORIO Cynthia