Brasileiras que desafiaram o seu tempo e as convenções e passaram a produzir obras de arte e a se profissionalizar no ramo são o tema de uma exposição na Pinacoteca de São Paulo. A exposição Mulheres Artistas: As Pioneiras (1880-1930) fica em cartaz até o dia 6 de setembro e apresenta cerca de 50 obras entre pinturas, desenhos e esculturas, muitas delas inéditas ao público.
Embora não fosse proibido, criar e produzir obras de arte, nesse período, ainda era uma dificuldade para as mulheres. Segundo uma das curadoras Ana Paula Cavalcanti Simioni, a exposição ajuda a contar a história da arte e das mulheres, enfatizando os processos de formação a que essas pioneiras tiveram acesso.
“O sistema artístico acadêmico no Brasil foi implantado com base no modelo francês, que chegou ao Brasil em 1816, mas só foi implantado em 1826. Esse sistema não previa as mulheres como parte do corpo discente porque era considerado completamente inapropriado para o sexo feminino o acesso ao estudo do modelo vivo – uma etapa central da formação dos artistas”, disse Ana Paula. “As mulheres vão acessar esse tipo de formação muito tardiamente. No Brasil, a academia passa a aceitar as mulheres como membros a partir de 1892. Na França, só em 1897, ou seja, muito tardiamente”, completou a curadora em entrevista à Agência Brasil.
“Não bastava ter a lei que permitia que elas pudessem frequentar a instituição. Imagine o que era, em 1900, uma mulher acessar um modelo vivo. Tem cartas da época em que [elas relatam que] os pais não permitiam que elas frequentassem essas aulas até porque muitas eram ministradas no [período] noturno e isso era considerado inapropriado principalmente para mulheres de elite ou das classes mais altas”, explicou Ana Paula.
Outro problema enfrentado pelas mulheres, disse a curadora, era que o Código Civil não permitia que elas circulassem sem a permissão dos pais ou de seus maridos. “Uma coisa era a mulher aprender a recitar poesia, mas ficar dentro de casa. Outra coisa era transcender o espaço doméstico, que era visto como o espaço das mulheres por excelência, e mandar [suas obras] para uma exposição pública e se mostrar de forma pública. Sair do espaço privado e se profissionalizar era quebrar um tabu naquela época”, acrescentou a curadora.
A mostra ocupa duas salas do museu. Na primeira delas ressaltam-se as práticas acadêmicas, com estudos do corpo feminino e masculino, por exemplo. Na segunda sala estão variedades de gêneros artísticos a que elas se dedicaram no período.
Segundo a curadora, esse primeiro grupo de mulheres artistas não tinha a intenção de criar uma formação feminina específica que fosse diferente da masculina – bandeira que só vai surgir na década de 60. “Nessa primeira geração de artistas profissionais o que se almeja é justamente ingressar no sistema e dominar aquele vocabulário ou conjunto de regras que só era acessível para os homens. Essa é a grande conquista: aprender uma linguagem em um sistema que até então as excluía”, explicou Ana Paula.
Entre as artistas que terão suas obras expostas estão Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Beatriz Pompeu de Camargo, Abigail de Andrade [que ganhou a primeira medalha de ouro na 26a Exposição Geral de Belas-Artes, em 1884] e a escultora Julieta de França [a primeira artista brasileira a ganhar um prêmio de viagem ao exterior, em 1900].