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"O Rio significa liberdade", diz cantora Thais Gulin

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Sair de Curitiba para tentar a vida no Rio de Janeiro funcionou muito bem para Thais Gulin. Mesmo sem saber direito o que pretendia fazer de sua vida quando chegou à capital fluminense, a jovem paranaense conseguiu rapidamente gravar seu primeiro disco, batizado com seu próprio nome, e obteve uma ótima repercussão tanto do público quanto da mídia. O trabalho ainda lhe rendeu indicações de revelação por parte de grandes veículos em 2007, dando-lhe notoriedade para seguir em frente com a carreira. E as boas notícias não pararam por aí.

Ao gravar músicas de grandes nomes, como Chico Buarque e Tom Zé, Thais acabou agraciada não só com elogios dos compositores, como com músicas feitas por eles especialmente para seu segundo álbum, lançado neste mês. E ôÔÔôôÔôÔ - homenagem da artista à cidade que tão bem lhe acolheu - traz essas novidades, além de diversas canções de autoria da cantora, inclusive uma instrumental, estranhamente nomeada de "The Glory Hole", uma excêntrica prática de sexo.

Na véspera de sua apresentação no palco XV de Novembro da Virada Cultural paulistana, neste sábado (16), a paranaense conversou e  explicou como conseguiu participações tão especiais, falando de seu amor pela Cidade Maravilhosa e revelando a paixão que tem por gravar músicas de outros artistas.

Confira o que Thais Gulin tem a dizer abaixo:

Você está ansiosa para a apresentação na Virada Cultural, em São Paulo? 
Eu estou. A gente, na verdade, não vai fazer o show do disco novo ainda. Vamos tocar umas três ou quatro músicas do show antigo, porque começamos a ensaiar (o disco novo) só na semana passada. Aí apareceu o "Viradão" e eu não podia recusar.

Quando você começa a apresentar o novo disco?
Em maio. Devo começar por Curitiba.

Falando em Curitiba, por que exatamente você se mudou de lá para o Rio de Janeiro? Foram questões de mercado mesmo?
Não, foi meio inconsciente, assim. Eu vim para cá por causa do teatro, da música. Eu gostava de dar umas saídas, eu morei em outros lugares já, e acabei vindo para cá pelo teatro. Cheguei aqui, não conhecia ninguém, aí logo eu comecei a trabalhar e a fazer a demo do meu primeiro disco, além de shows e teatro, tudo ao mesmo tempo. Quando saiu o primeiro disco, no entanto, eu parei com o teatro e escolhi ficar só na música. Mas eu acho também que é muita liberdade aqui pra mim, o Rio significa liberdade. Então, eu acho que foi por isso que eu vim também.

Você já consegue se sustentar somente com a música ou ainda precisa trabalhar em outras áreas? 
Trabalho só com música. Só faço isso.

Como surgiu a oportunidade de Chico Buarque compor para você em ôÔÔôôÔôÔ? 
Foi assim: no primeiro disco, eu gravei duas músicas do Chico. Uma só dele, outra dele em parceria com Toquinho. Também gravei Tom Zé, gravei Macalé, gravei Otto, e tal. E esse primeiro disco eu fiz meio para ver qual era, sabe? Eu não tinha certeza se era isso que eu queria para a minha vida. E aí todos (os que tiveram músicas gravadas pela cantora) me ligaram - o que me deixou muito feliz - e eu acabei conhecendo todos os compositores que eu gravei. E fiz show com o Otto, show com o Macalé, show com o Zeca Baleiro, e eram pessoas com as quais eu tinha muita afinidade, então um novo mundo se abriu para mim. Eu até demorei um tempo pra digerir tudo isso e fazer esse segundo disco. Entendi que eu tinha realmente que encarar meu jeito de escrever e fazer as músicas...e o Chico me escreveu nessa época. O Chico e o Tom Zé me escreveram dois emails lindos. E a partir daí, a gente começou a se falar sempre, acabamos nos conhecendo e um dia ele falou: "vou fazer uma música pro seu disco". Eu falei "tá bom".

Como você se sentiu com isso?
Ah, fiquei feliz. Quando ele falou que ia fazer, ele ainda demorou um tempo pra entregar a música (Se eu soubesse), sabe? Eu estava mega curiosa e me senti encantada. Eu amo essa música, acho ela encantadora.

O Tom Zé também fez uma participação, mas em uma canção mais descontraída, mais surreal - Ali, sim, Alice, baseada na história de Alice no País das Maravilhas. Isso foi proposital por causa do jeito excêntrico dele? 
Foi. O Tom Zé é tão livre, né? Eu gravei uma música dele no meu primeiro disco, e aí eu liguei pra dona Neuza, a mulher dele, e falei: "dona Neuza, agora eu vou fazer um segundo disco. Será que o Tom Zé se anima em me mandar uma música inedita?". Ela mesma respondeu: "claro!". E quando chegou a música, eu, o Kassim e o Alê (Siqueira, produtores do trabalho), ouvimos no estúdio e dissemos "meu Deus", sabe? Decidimos convidá-lo, porque quando a gente ouviu, já sabia que tinha a ver chamá-lo.

Você também é compositora. Como faz para escolher que músicas gravará de cada artista? 
Eu acho que é uma coisa igual paixão e amor, sabe? Você ouve e sabe que é aquela música que tem que cantar. E algumas viram até obsessão. Quando eu ouvi Cinema Americano pela primeira vez num show do Rodrigo (Bittencourt, cantor), fui para casa e a ouvi oitenta vezes. Fiquei obcecada pela música. Isso foi há três anos quase. Aí eu pedi pra ele guardar a música pra mim e...é assim, é uma coisa que é igual a se apaixonar. Não tem uma escolha muito racional, não.

Há uma faixa instrumental chamada The Glory Hole, que encerra o novo disco...
The Glory Hole são aqueles buracos na parede que as pessoas usam pra fazer sexo com desconhecidos.

Sim. Mas o que isso significa para você?
Eu acho que essa faixa meio que sintetiza o disco, sabe? Por causa da sonoridade dela. Eu acho que The Glory Hole, para mim, significa um misto de medo, de prazer, de desconhecido, de atração, de frio na barriga, de mistério, de íntimo. E eu acho que essas são as sensações do Rio para mim, as sensações que o Rio causa em mim. A sonoridade toda do disco é construída em cima de sensações, de climas.

Mas por que uma faixa instrumental? 
Eu não tenho muito a dizer sobre The Glory Hole. Eu queria fazer essa música com esse nome e eu acho que ali, no disco, ela acabou ficando mais explícita desse jeito.

Por que você resolveu homenagear o Rio?
O negócio é que eu vivo aqui há nove anos. Foi aqui que eu cresci, que eu fiquei adulta, que eu tive toda a liberdade do mundo. E essa muita liberdade é demais! Eu acho grande demais você poder fazer o que você quiser, escrever o que você quiser, da forma que você quiser, e ainda gravar isso, escolher as pessoas que vão trabalhar com você. É tudo muito...você pode fazer tudo! Se quiser gravar um disco, sei lá, com um cachorro latindo e uma voz, você pode fazer e pode ficar legal, sabe? Então, é a minha vida. No primeiro disco, eu estava procurando alguma coisa e neste disco eu queria deixar sair de mim o máximo possível. É muito pessoal, eu fiquei super em silêncio fazendo este disco. E aí o Rio é por isso. Tudo isso que eu senti nos últimos três anos, o que eu pude deixar sair de mim, é o que tá aí.

A faixa título de ôÔÔôôÔôÔ foi composta por você antes do desfile da escola de samba Estação Primeira de Mangueira. Como veio a inspiração em um momento tão festivo?
Olha, eu ia sair...foi no ano passado e eu ia desfilar na escola pela primeira vez. Só que eu decidi desfilar um dia antes, e aí meu amigos começaram a me ligar pra me dizer que eu não ia conseguir decorar o samba-enredo a tempo porque eu sou distraída. Só que não eram, assim, amigos que combinaram de me ligar para ficar me enchendo o saco: eram amigos que não se conheciam e que resolveram dizer isso para mim, que eu não ia decorar a letra, que eu ia me distrair, ia fazer outra coisa, não ia lembrar e isso levaria a escola a perder ponto. E eu fiquei meio irritada com isso. O táxi já estava me esperando aqui em baixo quando eu sentei no quartinho no meu piano e no meu violão, peguei o violão e saiu o começo dela inteira. Não foi uma coisa premeditada. A coisa estava tão, assim, querendo explodir de mim, que eu fiz isso aí. Comecei a música aqui, com letra, melodia, harmonia, e aí depois eu fui terminando.

E você conseguiu decorar o samba-enredo da Mangueira no final?
Claro. Ainda ajudei a organizar a minha fila.

Chegou a tirar satisfação com os amigos que brincaram com você? 
Falei, mandei a música pra todos. Dei conta da vingança.

Você ainda vai muito a Curitiba? 
Tenho família lá. Minha mãe mora em São Paulo e meu pai em Curitiba. Eu fui uma vez ou duas no último ano. Eu ia mais quando cheguei ao Rio, mas, sempre que eu tenho uma brecha, vou, sim. Eu adoro Curitiba. É meio que um abraço de mãe, né? Mesmo que minha mãe não more lá, a sensação de estar lá é gostosa. É um céu familiar, sabe?

Curitiba é uma cidade muito diferente do Rio de Janeiro. Você pensa em voltar a morar lá? 
Não, nunca. Sabe que eu vi uma vez o Lenine falando uma coisa tão interessante: perguntaram a ele se ele voltaria a morar em Recife, e ele respondeu que "o Recife é minha mãe e o Rio é minha mulher. E eu não vou