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Novo livro de J. P. Cuenca chega às livrarias

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Ieda Magri*, Jornal do Brasil

RIO - O único final feliz para uma história de amor é um acidente, o novo livro de João Paulo Cuenca, chegou às livrarias a poucos dias e deixa a impressão no leitor de ter entrado em cartaz. Não que vá virar filme; o livro é seu próprio filme.

Vemos a fila de táxis parados na porta do hotel (...) Vemos quatro tubos de ensaios por onde sobem e descem os elevadores panorâmicos que nos levam até os corredores acarpetados do décimo segundo andar, onde, por trás da porta trancada do quarto 1212 com um aviso de 'Não perturbe', há um círculo de luz sobre uma mesa quadrada. (...) A fumaça produzida por um cigarro de palha corre pelo cone de ar opaco. O que sustenta o cigarro, antes de apagá-lo no cinzeiro que não vemos, é a mão direita do sr. Lagosta Okuda .

Essa longa tomada que apresenta o pai do narrador, o grande poeta Atsuo Okuda, que ocupa o lugar do vilão de maneira tão identificada com o lado do mal como só é possível descrever sem pieguice nas histórias em quadrinhos, é só um dos muitos exemplos do que seria a atmosfera cinematográfica do livro. Seu autor manipula as imagens sempre como se fosse uma câmera numa sucessão de travelings e planos-sequência. Essa linguagem emprestada do cinema não é nenhuma novidade na literatura de Cuenca, cujo último romance se chama O dia Mastroiani. A diferença neste novo livro é que, ao contrário daquele em que as personagens cumpriram o ritual de viver durante 24 horas como farsa aquilo que o ator italiano mais encenou nos filmes dos quais foi protagonista, um dândi flanando pela cidade, em O único final feliz para uma história de amor é um acidente é a própria sintaxe, o modo de fazer do cinema que vira protagonista do livro. Essa opção estilística de Cuenca se justifica plenamente na própria trama, cujo protagonista se sabe sempre vigiado pelas câmeras de filmagem do pai, que grampeou toda a cidade para espionar o filho e as mulheres com quem se envolve.

Nisto, poderíamos até classificar o livro como pertencente ao gênero de ficção científica: o centro da história se passa em 2013, há máquinas que falam, um submarino onde se gravam e processam as imagens que depois serão enviadas ao pai do narrador e a incrível personagem Yoshiko que, embora tenha como papel servir ao sr. Okuda, é muito mais do que uma boneca inflável. Poderíamos lembrar algo como Blade Runner e chamá-la de ciborg. Ela é uma das narradoras do livro e sente, às vezes, como também a gaijin Iulana Romiszowska, um calor no peito, como se houvessem acendido um fósforo lá dentro .

O clima de certo suspense alcançado pela estratégia da repetição de cenas, de temas e de vivências entre as personagens (a boneca pode sentir aquilo que outra personagem diz sentir, o leitor é informado de seus modos sempre que Iulana come, a paisagem que aparece num sonho é vista no plano real e o sonho de uma personagem é vivido por outra) é potencializado ao final da narrativa por uma possibilidade que se anuncia, como aposto, desde o início do romance e está ligado ao peixe preferido do vilão, o fugu, ou baiacu, de vísceras venenosas.

O livro é narrado todo no presente, com cenas do passado rememorado, o que o coloca ainda mais dentro da linguagem cinematográfica. São comuns expressões como o que agora vemos é a primeira refeição que compartilhamos... , o que sugere que o narrador mostra ao leitor as filmagens feitas pelo pai. Como ele insere imagens que não estão gravadas, já que outras personagens não as veem, fica claro que o narrador está editando seu próprio filme à medida que o livro é lido. Assim, ele também nos dá margem para desconfiar da imagem que produz do pai, o vilão. Uma das cenas mais interessantes relativas ao modo como Shunsuke, o estorvo, o narrador, o filho do vilão o vê é a sequência em que o pai é transformado num monstro (de verdade) em plena rua pelo Gyodai, o aumentador de monstros do império interplanetário Daiseidan Gozuma . Este, um personagem da série japonesa Dengeki Sentai Changeman traduzido e l