Carlos Helí de Almeida, Jornal do Brasil
GRAMADO, RS - O 38° Festival de Gramado, que se encerra neste sábado com a revelação dos vencedores, entrou na reta final reafirmando a superioridade da seleção estrangeira sobre a nacional. Já exibindo o selo de qualidade representado pelo prêmio da crítica internacional no Festival de Berlim deste ano, o representante colombiano El vueco del cangrejo, dirigido pelo estreante Oscar Ruiz Navia, foi o ponto alto da noite de quarta-feira, que teve como contraponto a frieza estética da produção paulistana Ponto org, de Patrícia Moran.
O filme de Navia flagra o estado de espírito de uma aldeia da costa do Pacífico colombiano, entrevada entre o desejo de permanecer parada no tempo e a necessidade de abraçar o progresso. A repentina chegada de Daniel (Rodrigo Velez), turista da cidade que fica à espera de um barco que o tire do país, acirra os ânimos entre Cérebro (Arnobio Salazar), líder da comunidade, e o fazendeiro que deseja construir um hotel turístico na região.
A situação dos personagens está resumida no título original do filme, que pode ser traduzido como A reviravolta do caranguejo.
É uma metáfora tanto para o vilarejo, que está dividido entre a ideia de aceitar o progresso ou permanecer fiel a suas raízes e tradições, como para o protagonista, Daniel, que deseja avançar, sair do país, mas não consegue ir adiante explicou a produtora Diana Bustamante, que veio representar o filme em Gramado. Assim como o passo do caranguejo, eles avançam em um determinado momento, para em seguida retroceder.
Diana veio acompanhada de dois atores do filme, Castaño e Salazar. Este último integra o elenco não-profissional da produção, escalada entre os moradores da região onde o filme foi rodado.
A proposta do Oscar era trabalhar com essa mistura de experiências profissionais e de vida contou a produtora.
O filme oferece elementos para a identificação geopolítica do lugar, como a passagem de soldados do Exército colombiano pela praia. Há também referências às ações dos guerrilheiros das Farc no noticiário do rádio ou nas músicas populares que saem das caixas de som do fazendeiro branco.
Tudo está relacionado com a realidade do país avisou Diana. Embora a guerrilha seja um tema polarizado na Colômbia, não há qualquer censura no país a esse respeito.
Também estreante no longa-metragem, a mineira Patrícia Moran imprime um pouco de suas experiências anteriores com a videoarte em Ponto org. O filme se utiliza de vários recursos de captação digital (câmeras domésticas, telas de computadores, etc.) para narrar o relacionamento entre Diamantino (vivido pelo rapper mineiro Renegado) e Bárbara (Erika Altimeyer), jovem de São Paulo que faz experiências com vídeo com meninos da periferia. A veterana atriz Teuda Bara, do grupo Galpão, interpreta uma sem-teto que mora sob o elevado conhecido como Minhocão e resiste às tentativas de ajuda da moça.
Obra-síntese do gigantismo e das contradições da capital paulista, o viaduto é uma espécie de personagem do filme.
O Minhocão representa a resistência da beleza em lugares inóspitos, é como aquela vegetação que nasce e cresce no concreto teoriza a diretora.
O repórter viajou a convite do festival