Gregory E. Jackson, Jr.*, Jornal do Brasil
RIO - Eis um volume dedicado ao futebol, que é essencial para especialistas de diferentes áreas das ciências sociais que buscam uma melhor compreensão do consumo da ideologia, da formação de identidades e do papel da cultura de massa na sociedade ocidental moderna. Ao emprestar de Schopenhauer a ideia de vontade como representação, Bernardo Buarque enfatiza o papel do esporte na consolidação do estado brasileiro, e também a subjetividade futebolística como uma metáfora de base para a noção de brasilidade, na marcha em direção ao desenvolvimento do país no século 20.
O clube como vontade e representação: o jornalismo esportivo e a formação das torcidas organizadas do Rio de Janeiro é organizado segundo três eixos de análise: 1) a experiência individual com torcedores e torcidas organizadas; 2) o papel dos jornalistas esportivos como um exemplo da esfera pública habermasiana; e 3) as interações entre o indivíduo e a mídia. Esta última resultou na formação de um sistema instável de ética e moral que contradisse, da mesma forma como afirmou, formas ideais e prescritivas das torcidas organizadas brasileiras. A sinergia entre as noções de torcida e cidadania nas mentes dos torcedores, jornalistas e agentes estatais que supervisionam a cultura de massa é central à polêmica da definição do modelo apropriado de comportamento da torcida.
O principal argumento gira em torno do futebol brasileiro entre os anos 30 e 80. Este tem sido o centro de um sério complexo de interações sociais entre brasileiros de todas as classes e compreende o significado de torcer, a identidade racial e a cultura nacional. O que torna o livro irresistível é a habilidade do autor em tecer as fontes primárias da narrativa jornalística, tais como cartas de torcedores em jornais esportivos, para demonstrar quão a fundo os fãs de futebol podiam ir, levados não apenas pelo esporte no campo, mas também pelos debates cotidianos que vendiam notícias e inflamavam os torcedores. Buarque lida com o complicado problema da recepção ideológica de um público-alvo, o leitor-torcedor, ao analisar a forma como chefes de torcida interpretam torcedores adequados , imersos em um sistema de controles esporádicos.
O trabalho de Bernardo Buarque traz à tona um grupo eclético de torcedores, escritores, chefes de torcida, cartolas e ministros de estado. Descrições detalhadas das causas e dos interesses que os diferentes grupos de atores tinham em seu compromisso com o esporte como espetáculo de massa em crescimento fornece aos leitores uma forte percepção da maneira pela qual cada um interpretou, negociou, rejeitou ou reproduziu valores e práticas centrais ao esporte ao longo do crescimento de sua importância como símbolo da cultura e do potencial brasileiro como nação.
Em três extensas partes, Bernardo Buarque desenvolve sua análise sobre a dialética entre a percepção individual de cada torcedor e seu envolvimento com o universo social maior que o formou. Ao se dialogar com técnicas analíticas emprestadas da Escola de Frankfurt, o autor ilustra como representações e práticas foram negociadas em áreas específicas, tais como as arquibancadas dos estádios e os jornais esportivos, e que só recentemente se tornaram foco dos cientistas sociais.
Talvez a maior contribuição do livro para aqueles que se interessam pelo estudo do futebol e da sociedade brasileira seja a pesquisa biográfica realizada sobre as principais figuras cujas relações pessoais na vida cotidiana direcionaram o esporte nacional, de modo a refletir suas próprias preferências de classe, seus valores e suas aspirações. O futebol no Brasil foi um assunto de política pública, mas autoridades do esporte, em nível estadual e nacional, de jornalistas a diretores de clubes, normalmente obscureciam os limites entre o público e o privado. O que torna interessante a análise sobre esses protagonistas é sua demonstração da fluidez com as quais a plutocracia esportiva carioca sobrepôs seus interesses pessoais com o produto literário, mer