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Entre tapas, beijos e aplausos

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Daniel Schenker, JB Online

RIO - 'Recordar é viver' não é apenas o título da primeira peça de Hélio Sussekind, que chega aos palcos, a partir do dia 4 de agosto, no Teatro 2 do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). É também o que se poderia dizer sobre o vínculo profissional entre Sérgio Britto e Suely Franco, que voltam a se encontrar em cena na montagem de Eduardo Tolentino de Araujo.

Conheci Suely na época da TV Tupi, na Urca, bairro onde ela mora até hoje lembra Sérgio Britto. A mãe a levava para a televisão. Tomava conta da filha.

Ambos começaram a trabalhar juntos no início da década de 60, tanto no Grande Teatro, na televisão, quanto na montagem de O beijo no asfalto, de Nelson Rodrigues, na companhia Teatro dos Sete. A prestigiada encenação de Gianni Ratto causou polêmica na época e, apesar do sucesso, sofreu com a desestabilização causada pela renúncia de Jânio Quadros, fazendo com que o grupo passasse do Teatro Ginástico para o Maison de France. Mas o elo entre Sérgio e Suely sobreviveu aos altos e baixos de cada época.

Sérgio continua sendo meu professor. Tem um carisma imenso. Todos o adoram derrama-se Suely Franco.

Quando tomou a frente da programação do Teatro Delfim, no Humaitá, Sérgio Britto não hesitou em convidar Suely para integrar o elenco de espetáculos como Cafona, sim, e daí?.

Depois de Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg, Suely é a atriz com quem tenho ligação mais forte ressalta Sérgio, que também a dirigiu em Ai, ai, Brasil.

O reencontro no denso Outono e inverno, de Lars Norén, também sob a direção de Eduardo Tolentino, foi uma experiência singular para uma atriz consagrada na comédia.

Suely foi uma das Certinhas do Lalau, fez muitos musicais e comédias comenta Britto. Ela tem uma postura anti-intelectual, mas não por maldade. Simplesmente não é o mundo dela. De qualquer modo, se quiser fazer uma peça de Beckett, com certeza conseguirá. Agora, em Recordar é viver, ela imprime um humor irresistível às nossas cenas de briga.

Unidos pela nostalgia

Na nova peça, Sérgio e Suely interpretam o casal Alberto e Ana, pais de Henrique, alter ego do autor, dramaturgo com mais de 30 anos que ainda não conseguiu publicar seus textos.

Hélio Sussekind criou personagens muito reconhecíveis. Há partes que lembram meu pai e minha mãe, até porque pais e mães são iguais em todos os lugares observa Suely Franco. Não por acaso, tivemos uma receptividade calorosa nas leituras que realizamos em teatros de Marechal Hermes e de Campo Grande.

Sérgio Britto destaca a habilidade de Sussekind em transportar a esfera cotidiana para a cena: Alberto e Ana são personagens unidos apenas pela nostalgia, pela recordação do passado. É por isso que não brigam quando estão sozinhos, diferentemente do que acontece quando há gente em casa.

A relação direta entre Alberto e o filho não deve, na sua opinião, ser comparada com o contato passional estabelecido entre pai e filhos do clássico Longa jornada de um dia noite adentro, de Eugene O'Neill, peça que interpretou há alguns anos.

Alberto é um homem destruído, física e mentalmente salienta o ator. Teve uma relação forte com a mulher, mas ficou impotente. Só o que o estimula é o amor pelo filho, que se torna obsessivo. James Tyrone, de Longa jornada, é um ator consagrado, mas infeliz porque vive perseguido por um sucesso que não o interessa mais.

Definindo-se como um ator de composição, Sérgio Britto conta sobre a construção de seu personagem de Recordar é viver.

Alberto tem as pernas fracas. E sente dores no abdômen. Componho uma pessoa doente, mas tomando o cuidado para não carregar demais declara o ator, dono de uma vitalidade inquebrantável, aos 87 anos.

Dramaturgia que, enfim, deixa o fundo da gaveta

Recordar é viver chega aos palcos num momento em que seu autor, Hélio Sussekind, já tinha desistido de ver as próprias peças montadas. Disciplinado, o dramaturgo conta que termina todos os textos que começa a escrever. Nas férias, escreve durante seis horas por dia e, nos meses de trabalho, metade do tempo independentemente de os textos virem ou não a sair da gaveta. Até que Eduardo Tolentino de Araujo decidiu capitanear a encenação.

Durante muito tempo, esperei que meus textos fossem montados. Mas não procurava as pessoas. Não tenho personalidade para bater de porta em porta, ou talvez achasse que as coisas aconteceriam milagrosamente admite Sussekind, que nos anos 90 trabalhou como editor de Opinião do Jornal do Brasil. Seja como for, parei de pensar na viabilização dos projetos a partir do momento em que me tornei sócio de uma empresa de comunicação, onde fiquei até 2008. Meus filhos nasceram, e precisei começar a ganhar dinheiro.

O contato entre autor e diretor é antigo. Hélio Sussekind assistiu a montagens de Eduardo Tolentino, à frente do Grupo Tapa, anteriores à mudança da companhia para São Paulo, em 1985. Anos depois, tomou coragem e pediu que Tolentino lesse algumas de suas peças. O encenador aprovou e conduziu uma leitura de Recordar é viver, em São Paulo, com a presença de Suely Franco.

A peça tem um componente autobiográfico. Mas não tanto quanto se possa imaginar frisa o autor.

Sussekind destaca a importância de dois dramaturgos brasileiros na sua obra: Nelson Rodrigues e, em especial no caso de Recordar é viver, Jorge Andrade:

Quando leio peças de Rodrigues, quase desisto de escrever, de tão boas que são. Reli, recentemente, O beijo no asfalto. É um texto perfeito. E me inspirei em Andrade para abordar o universo familiar.

De acordo com Sussekind, Recordar é viver é um texto à parte na sua dramaturgia, que, porém, traz uma característica que atravessa várias de suas peças: o destaque a personagens idosos.

Quando nasci, meu pai tinha 48 anos e minha mãe, que ainda vive, 41 sublinha o autor. É possível que minha opção por personagens mais velhos decorra disso.

Entre os cerca de 15 textos que mantém guardados estão Sustenido, despretensiosa investigação do universo rodrigueano; Echarpe amarela, também centrado em pessoas mais velhas, dissociadas, porém, do mundo familiar; Ponto morto, voltado para a relação entre pai e filho; Você é a luz da sua vida, brincadeira em cima do tema da autoajuda; Meu pincel quer penetrar seu coração, sobre a relação entre dois homens; e Sangue do encarnado, mergulho no mito de Don Juan. Além do trabalho como dramaturgo, Sussekind é movido por outra paixão: o futebol.

Depois dos meus filhos, é o que eu mais gosto no mundo confessa.

Torcedor do Fluminense, escreveu o livro Futebol em dois tempos.

Por causa do livro, tive a oportunidade de reler as crônicas futebolísticas de Nelson Rodrigues, que também era tricolor evoca. Ele morreu, inclusive, no fim de 1980, logo depois que o time se tornou campeão carioca.