Daniel Schenker , Jornal do Brasil
RIO - Todo mundo está cansado de ouvir que Charles Möeller e Claudio Botelho formam uma das mais bem-sucedidas duplas do teatro brasileiro. A afirmação, de fato, é inquestionável. Mas os dois não se mostram tão parecidos quanto pode soar a princípio. Ao contrário. São justamente as diferenças e a habilidade em administrá-las que garantem a longevidade de uma parceria de 20 anos. Möeller passou pelo Centro de Pesquisa Teatral (CPT), de Antunes Filho, trabalhou como ator em encenações elogiadas, como Master Harold e os meninos (1990), de Athol Fugard, e acumulou experiência (e prêmios) como cenógrafo e figurinista. Botelho estudou na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL) e enveredou pelo ramo musical, encontrando em Claudia Netto uma partner à altura.
Um dia, eles se encontraram. Aos poucos, tornaram-se referência no gênero musical. Nada mais justo que comemorar o feito. Versão brasileira, 24º espetáculo que realizam juntos, estreia terça-feira no Espaço Sesc, reunindo números que atravessaram seus trabalhos em comum (leia o roteiro no quadro ao lado). Trata-se de um convite do Sesc, igual ao que deu origem a Beatles num céu de diamantes (2008). Completando a celebração, o lançamento do livro Os reis do musical, escrito por Tania Carvalho. Charles Möeller e Claudio Botelho comprovam que, muitas vezes, as diferenças podem se converter em ganhos.
Estou com 45 anos, mas gosto da velha Broadway. Parei em Stephen Sondheim. Não era apaixonado por O despertar da primavera (2009) como Charles. Mas embarquei no projeto e hoje adoro. Já Gypsy é uma obsessão minha. Charles, porém, está bem empolgado. Hair é outra história: vimos a remontagem em Nova York e nos emocionamos. Foi uma escolha conjunta assume Botelho, mencionando o espetáculo atualmente em cartaz realizado a partir de texto de Frank Wedekind e enumerando dois dos novos musicais que desenvolverá ao lado de Möeller.
Além de Gypsy, centrado na relação passional entre a stripper Gypsy e sua mãe, Mama Rose, e Hair, hino de amor ao universo hippie, a dupla planeja montar Annie, sobre a menina órfã que conquista o coração de um milionário (adaptado para o cinema por John Huston, em 1982), Aquela canção do Roberto, a partir das músicas de Roberto Carlos, Kiss me Kate, com canções de Cole Porter, e Um violinista no telhado, baseado em histórias de Sholem Aleichem (também transportado para a tela por Norman Jewison, em 1971).
Tudo isto, no entanto, é futuro. Em Versão brasileira, Charles Möeller dirige Claudio Botelho, que não só volta aos palcos a última vez que esteve em cena foi em Lado a lado com Sondheim (2005) como assume a responsabilidade de segurar, sozinho, a atenção do espectador, contando apenas com as presenças de Marcelo Castro (também diretor musical) ao piano e de Edgar Duvivier nos sopros. Os dois conceberam um roteiro com músicas de vários dos espetáculos que realizaram ao longo desses 20 anos, contados a partir de Hello Gershwin, de 1990, ainda que o marco zero da dupla costume ser considerado o divertidíssimo As malvadas, de 1997.
Fizemos dois shows com Marco Nanini, Hello Gershwin e De rosto colado (1993) lembra Möeller. Tínhamos o sonho de um terceiro projeto, mas na época Nanini estava empolgado com a direção e nós sentíamos necessidade de dar um passo além, mesmo sem pai e sem mãe.
Hello Gershwin marca, portanto, o primeiro encontro. Já As malvadas foi a primeira montagem que assinaram em conjunto. O fato é que começaram a percorrer um caminho valorizado pelo vínculo com composições de Cole Porter (Cole Porter Ele nunca disse que me amava, de 2000), Chico Buarque (Na bagunça do teu coração, de 1997; Suburbano coração, de 2002, e Ópera do malandro, de 2003) e Stephen Sondheim (Company, de 2001, e Lado a lado com Sondheim) além de muitos projetos ousados, como 7 O musical (2007), no qual estreitaram contato com Ed Motta.
Um dos blocos de Versão brasileira, porém, diz respeito unicamente à carreira de Claudio Botelho: aquele que agrupa os trabalhos que fez ao ser convidado para assinar versões para o português das canções dos grandiosos musicais americanos que vêm desembarcando em São Paulo nos últimos anos.
Em Les miserables (2001) foi possível ser autoral. Em Miss Saigon (2007), também. Em Chicago (2004) fiquei mais preso. A equipe que veio para cá não estava interessada em pensar a montagem para o público brasileiro revela Botelho.
Ciente de que não teria como falar sobre a dupla no singular, Tania Carvalho assumiu as especificidades dos dois no livro.
As entrevistas definiram a estrutura do livro. Conversei com Charles e depois, com Claudio. Aí me detive na dupla explica Tania, que confirma as peculiaridades de cada um. De igual, eles só tem a paixão pelo gênero. Charles gosta das possibilidades do espetáculo e Claudio, das músicas. O primeiro é mais expansivo, engraçado; o segundo, mais sério, contido.
Apesar de Os reis do musical ser seu 13º livro para a Coleção Aplauso, Tania se viu diante de uma nova empreitada.
A partir de dado momento, não esclareço qual deles está com a palavra, mas fica óbvio para o leitor garante a autora.
Para Tania, a maior dificuldade não foi a de costurar os depoimentos dos biografados, mas conseguir manter atualizado um livro sobre uma dupla repleta de projetos. Além de todos os musicais, eles foram convidados pela Globo para trabalhar nos bastidores da recém-exibida minissérie Dalva e Herivelto.
Tivemos liberdade total. Fomos para a TV fazer exatamente o que realizamos no teatro. Pude até pedir para fazerem mudanças de luz destaca Möeller.