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Primo de Sérgio Sampaio, guitarrista leva samba e forró ao blues

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Ricardo Schott, Jornal do Brasil

RIO - No livro Roberto Carlos em detalhes, o historiador e jornalista Paulo César Araújo diz que a terra natal do Rei, Cachoeiro de Itapemirim (ES), era bastante moderninha, cultural e comportamentalmente, nos anos 50 e 60. O guitarrista cachoeirense Aroldo Sampaio, que lança às próprias custas o CD instrumental Haja palavra para o que eu não digo que se junta a Somewhere over the blues, gravado quase ao mesmo tempo mas lançado em 2007, e ao debute Não música para você esquecer (2001) adoraria que isso ainda acontecesse. O fato de o maior nome da música nacional ter vindo de Cachoeiro não fez com que a cidade virasse um grande polo do rock ou do pop. Ironicamente, Aroldo, que é primo do cantor e compositor Sérgio Sampaio (de Eu quero é botar meu bloco na rua) informa que um dos points locais em que seus trabalhos estão à venda é uma pastelaria cujo nome é nada mais nada menos do que... Mutantes.

Além do primo, o rei Roberto

Pois é, esse lugar é de um roqueiro velho daqui de Cachoeiro. O cara tem disco de tudo. Mas lá não tem show, não afirma, rindo, o músico, ligado ao blues e ao rock. A gente passou 10 anos sem ter um cinema ou um teatro. Agora tem muita gente aqui escrevendo, compondo. Tem bandas autorais, como o Vitrola de 3, que é rock e MPB, o Longe, que faz surf music. E o Projeto Feijoada, que faz samba-soul. Vim de um grupo que tocou no Rio, o João Moraes & A Patuleia, que também tinha material próprio.

Se todo músico que nasce em Cachoeiro já cresce sob a sombra do ilustre conterrâneo, que comemora 50 anos de carreira, Aroldo ainda tem outra forte presença: a do primo, morto há 15 anos de pancreatite. Um cantor campeão de vendas com o primeiro single, Eu quero... (1973), mas que se tornaria um artista assustado com o próprio sucesso, a ponto de anulá-lo. Quando Aroldo Sampaio começava a tocar, ainda criança, o primo mais famoso já tentava a sorte no Rio.

Ele vinha aqui em Cacheoiro às vezes, lembro dele tocando violão para mim e tomando umas biritas nos bares daqui recorda Aroldo, que não sabe dizer se sofreu influência musical do primo, mas no primeiro disco gravou uma canção dele, Viajei de trem. O irmão dele, o Túlio, adorava contar histórias suas e do Raul (Seixas, que o lançou), de como eles não tinham dinheiro mas compravam carros de luxo.

Apesar das diferenças estéticas, Roberto Carlos deixou sua marca no trabalho de Aroldo, que tem um projeto com a cantora Marcela Lobo revisitando a fase soul do Rei. E, só para registro, é filho do lanterneiro que fez o célebre calhambeque azul de Roberto reformado recentemente pelo ex-corredor Emerson Fittipaldi.

Todo ano, na época do aniversário dele (19 de abril), tem a Semana do Rei, e a gente acaba se apresentando. conta. Este ano, Roberto deu um show em Cachoeiro em seu aniversário. Eu estava justamente fazendo um rock com os amigos numa laje ao lado do estádio onde rolava a apresentação, dava para ver tudo dali. Depois, a polícia apareceu por lá para mandar a gente abaixar o som, porque tinha um hospital ali perto. Acho que depois do Rei a galera não queria ouvir mais nada, né?

No som de Aroldo, o receituário do blues aparece modificado. Além dos vários tipos de guitarras, a sonoridade inclui ritmos como samba, forró e bolero e instrumentos como acordeon, violão de nylon, piano e percussões, além de um divertido coral de crianças na engraçada Crássico é crássico e vice-versa. As músicas do compositor ainda ganham títulos bastante irônicos, como Pancadaria Futebol Clube, Uma gangorra para dois, No money, no honey e Gato na coleira.

Pancadaria eu tirei de uma frase do (soprista) Carlos Malta, que, num workshop, usou o termo para definir o som de uma saxofonista que tocava bastante forte. Aí, fiz uma música que era o contrário disso conta. Cada título tem uma historinha. O tal gato na coleira da música existe mesmo, era o gato de um vizinho meu. Contava isso e ninguém acreditava, porque ninguém põe gato em coleira.

Gravo para tirar da cabeça

Se hoje as coisas ainda estão recomeçando em Cachoeiro, Aroldo diz que, nos anos 80, quando começou, foi mais complicado.

A gente tinha que se virar, gravar tudo em fita. Hoje, tem tudo na internet, mas até chegar uma revista de música aqui complicava. Lembro que eu ia à casa de um amigo que tinha videocassete para assistir aquelas fitas de videoaula afirma o músico, que aos 39 anos, não é tão atualizado assim em matéria de música. Essa maneira nova de escutar música, de ter vários mp3 para ouvir, eu nem gosto. Mas passo muito tempo ouvindo música, inclusive as minhas, porque depois que gravo esqueço tudo. Gravo para tirar da cabeça.