Bolívar Torres, Jornal do Brasil
RIO - Dizem os críticos que todo artista se esconde atrás de um estilo. A frase não se aplica ao cineasta argentino Carlos Sorín, que faz de cada longa uma nova e arriscada experiência estética. Depois da linguagem quase documental e caótica de seus filmes anteriores, o diretor investe no caminho de um cinema mais clássico e trabalhado com A janela, que estreia amanhã no Rio.
Nunca soube dizer se procuro construir um estilo ou romper com ele confessa Sorín, que veio à cidade para lançar o longa. Sempre admirei artistas que procuram um novo desafio a cada obra. Aqueles que, quando chegam a uma forma de trabalhar, vão atrás de algo diferente, como Kubrick ou Picasso.
As mudanças entre A janela e O cachorro (2004) e O caminho de San Diego (2006), seus longas anteriores, são radicais. A começar pela câmera, uma 16mm leve e fácil de ser movimentada, para uma 35mm pesada. Enquanto as outras obras seguiam o deslocamento constante do gênero road movie, aqui toda trama se concentra numa fazenda na Argentina, um dia na vida de um escritor de 87 anos encarnado pelo uruguaio Antonio Larreta, escritor e roteirista na vida real. Doente, sob o cuidado constante de suas empregadas, ele permanece preso em sua cama, apenas com a visão parcial de sua vasta propriedade da janela e atormentado por uma lembrança: a imagem de uma garota, que viu apenas uma vez, há mais de 80 anos. Durante o dia todo, espera a visita de seu filho, um conceituado pianista que vive na Europa.
Ao contrário de O cachorro, em que a inquietação se instalava pela desordem voluntária dos movimentos de câmera, Sorín tenta traduzir a angústia do personagem de A janela com planos fixos e ritmo lento.
Queria que o espectador se acostumasse com o ritmo do filme que, de certa forma, traduz um repouso exasperante, que é o tempo da velhice explica o cineasta.
A literatura tem um papel fundamental no longa. Não só pela atividade do personagem principal. A própria estrutura do longa, que decorre num tempo curto e espaço único, lembra os contos de atmosfera de Tchekhov, ou mesmo as histórias minimalistas de Raymond Carver.
O traço marcante destes contistas aparecem na utilização de um único conflito homem velho e doente espera chegada do filho que sustenta o longa inteiro. Mas, no meio do caminho, abrem-se possibilidades de subtramas apenas sugeridas e voluntariamente mal resolvidas, que atravessam a história deixando uma dúvida no ar (como a indicação de que uma das empregadas poderia ser filha do pianista).
Quando escrevi o roteiro de A janela, li muito Tchekhov e Carver admite o diretor. Sempre me senti muito mais próximo do conto do que do romance e da música de câmara do que da sinfonia. Aliás, devo admitir que são muito poucos os romances que consigo terminar de ler... Tenho dificuldade de pensar em filmes com estrutura de romances, porque teria que resolver triangulações de conflitos na história, além de elipses.
Por uma questão de realismo, Sorín decidiu oferecer a Antonio Larreta seu primeiro papel no cinema. Estreando uma nova carreira aos 87 anos, o escritor e roteirista não decepcionou o cineasta.
Gosto de que meus personagens sejam representados por atores parecidos com eles conta Sorín. Deste modo, é possível que o que se veja no cinema tenha a possibilidade de ser mais próximo da realidade. Assim como o personagem, Antonio tem mais de 80 anos. A sua fragilidade, sua maneira de caminhar e o tom de sua voz são reais.
Para Sorín, Larreta entendeu o personagem como nenhum outro ator, trazendo novas soluções.
O fato de ser escritor e de vir de uma família aristocrática ajudou a compor o tipo detalha. O personagem faz parte de uma oligarquia decadente, e isso se transmite pelo tom de soberba que Antonio demonstra às vezes na vida real. Além do mais, tem aqueles olhares que ele dá, e a maneira como diz certas palavras, como só os escritores fazem. Lembro de Borges lendo seus contos ou Neruda seus poemas. Os escritores falam de uma maneira própria.