Ricardo Schott, Jornal do Brasil
RIO - Não se trata de uma revolta contra o mercado fonográfico. Voltando às prateleiras com o disco ao vivo Pra iluminar, primeiro lançamento totalmente independente de seu selo Tacacá Music (que, anteriormente, realizava parcerias com a EMI e a Biscoito Fino) Leila Pinheiro recorda que, nos anos em que fez parte do elenco de gravadoras multinacionais, foi muito feliz. Também marcaou vários gols entre eles a ousadia de apresentar ao grande público a parceria de Guinga e Aldir Blanc em Catavento e girassol, em 1996. Mas para o novo projeto (no qual, por acaso, lança mão de outro songbook, o do compositor paulistano Eduardo Gudin), a intérprete paraense decidiu que era hora de ousar mais.
Não tenho nada para reclamar das gravadoras. Na época que estava na Universal e na EMI gastei muito dinheiro fazendo discos, em grandes projetos. O Catavento e girassol é quase um filho do João Augusto (hoje na Deckdisc), que era diretor artístico da EMI na época. Agradeço a ele até hoje recorda. Mas quando gravo, quase falo para a gravadora: Tome o disco, ele é seu . Você doa sua obra e se sai da empresa, não tem mais o disco. Não digo que não vou voltar para as gravadoras, só resolvi apontar meu barco nesta nova direção. Preciso ter o controle das minhas obras.
Download ilegal: não, por favor
Leila já havia experimentado a independência antes até de chegar às multinacionais. Seu homônimo primeiro disco (1983) foi lançado com recursos próprios, sem muita divulgação. Destino este que ela não quer para o novo álbum.
O novo disco está indo para 800 pontos de venda e minha expectativa é que o público goste, que seja bem recebido como meus discos anteriores diz Leila, que não deixa de engrossar os protestos das majors contra os downloads ilegais. As músicas têm que ser baixadas de uma forma justa, não pode ser assim. São sempre os compositores que se danam. Eu vivo na internet, mantenho blog, atualizo muito meu site. Mas essa ilegalidade tem que acabar.
Pra iluminar, gravado ao vivo no teatro da Fundação de Comércio Álvares Penteado, em São Paulo em 2007, traz Gudin não apenas como autor, mas também como parceiro de Leila ele toca violão em todo o álbum e canta em Velho ateu, parceria sua com Roberto Riberti, com quem divide também a única inédita do disco, O amor veio me visitar. Leila também enfileira canções de Gudin feitas ao lado de Paulinho da Viola (Sempre se pode sonhar, Ainda mais), Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro (Chorei, sucesso com Márcia), Paulo Vanzolini (Mente, idem com Clara Nunes), Paulo Cesar Pinheiro (Mordaça) e Sérgio Natureza (Luzes da mesma luz). E revisita seu primeiro sucesso, Verde, escrito pelo autor com José Carlos Costa Netto e lançado por Leila no Festival dos Festivais, da Globo, em 1985.
Foi nos bastidores que conheci o Gudin, quando ele e o Costa Netto foram ouvir a cantora que defenderia sua música. O César Camargo Mariano colocou para eles ouvirem uma gravação em que eu cantava uma música do Guinga diz a cantora, que conhecera a obra do compositor nos anos 70 a partir de discos como O importante é que nossa emoção sobreviva, gravado em dois volumes por Gudin, Márcia e Paulo Cesar Pinheiro. O maior prazer disto tudo é colocar minha obra na rua. Tenho com ele e com Guinga uma afinidade muito grande. Até brinco que eles fazem música para mim e que já pensam na minha voz cantando.
Autor de sambas ligados tanto ao clima urbano das composições de Paulo Vanzolini e Adoniran Barbosa quanto à sofisticação carioca de Paulinho da Viola, Gudin concorda.
A Leila cantando minhas músicas é algo que sempre dá certo. E esse disco é uma coisa que estava fazendo falta na vida da gente afirma o artista, autor de sambas paulistanos relidos por Leila, como Paulista e Praça 14 Bis, mas que não sabe dizer se há diferenças entre o gênero produzido no Rio e em sua terra. Há um samba típico do Rio, como o do Arlindo Cruz. Mas tive influências do Elton Medeiros, Baden Powell, Paulinho da Viola, que são do Rio. O Baden morava em São Paulo quando o conheci.
Próximo passo: orquestra
Sem gravar desde 2006, o compositor pretende variar um pouco no próximo trabalho.
Talvez composições feitas para orquestra. Vai me dar um trabalho danado, mas estou agora nessa onda conta Gudin, que tem se apresentado com Leila para o lançamento do disco, ao lado de uma banda montada por ele, com músicos como Zeca Assumpção (baixo), Milton Mori (cavaquinho) e Celso Almeida (percussão).
Com o CD nas lojas, a preocupação de Leila agora é registrar alguma apresentação da turnê em DVD Pra iluminar foi gravado apenas em áudio, na mesa do teatro Fecap. Outro projeto é relançar seu disco de estreia em 2010. Por enquanto, não há planos envolvendo repertório inédito:
Essa preocupação do ineditismo não me pega mais. Mesmo porque Bach é moderno até hoje.