Felipe Fortuna, JB Online
RIO - Breves ou não, rimados ou não, na forma de aforismos ou em versos bem medidos, os poemas de José Paulo Paes mostram agudo interesse pela História. Interesse, bem entendido, que diz respeito à percepção de um processo no qual prepondera a relação entre opressores e oprimidos. Pode-se até criticar o poeta por sua pequena atenção ao que existe de força dialética na relação do sujeito com a sociedade em torno: no esquema apresentado, todos são vítimas da publicidade e do apelo ao consumo, sem que se considere em cada um o desejo de gastar e o prazer do desperdício. Para o poeta, o consumo é sobretudo uma atitude antiética, uma negação dos melhores valores do convívio. O lançamento da Poesia completa (Companhia das Letras, 514 páginas, R$ 59) permite agora conhecer o percurso que buscou transmitir, como poucos, a utopia igualitária e a esperança de um sofrido humanismo.
No primeiro livro, O aluno (1947), a mensagem da solidariedade social acontece em meio à confessada influência de alguns mestres, o maior deles sendo Carlos Drummond de Andrade. Trata-se, no caso, de uma influência mais do que profunda, uma vez que alcança não apenas o estilo, mas também as convicções de ordem política e estética. Como todo aluno, José Paulo Paes se arrisca, em seu aprendizado, a adquirir alguma autonomia. Porém, no processo didático e imitativo, chega mesmo, em O poeta e o mestre , a emular o autor de A rosa do povo (1945) em sua admiração por Charles Chaplin a encarnar Carlitos, no qual a repetição é confessada e não é casual: Repito seus gestos / de amor e renúncia, / de música ou luta, / de solidariedade. // Carlitos! .
Para compreender a crença do poeta no mito da História marcada pela luta de classes e pelas formas de opressão e de liberação, devem ser lembradas as suas leituras de formação. No prefácio ao livro, Rodrigo Naves cita o ABC do comunismo (1922), de Nikolai Bukharin, como um dos textos marcantes da esquerda da época ao qual José Paulo Paes teve acesso. Mais tarde, o poeta aprofundará uma interpretação da História do Brasil. O interesse pela terra e pela gente que formam a sua nação está explicitamente referido nas Novas cartas chilenas (1954); mas, esparsamente, em todo o conjunto restante da poesia de José Paulo Paes há uma preocupação com o assunto brasileiro. O poeta toma emprestada, em seus versos, a ideia de que a sua sociedade se formou através de uma peculiar combinação de ambivalências muito cara às elites políticas e econômicas, que garantiram a falta de participação popular nas principais decisões: Sejamos, na cozinha, escravocratas, / mas abolicionistas de salão: / a dubiedade é-nos virtude grata , se lê em O Segundo Império ; em Cem anos depois , por sua vez, prossegue o sarcasmo: Vamos passear na floresta / Enquanto D. Pedro não vem. / (...) Vamos, com farda de gala, / proclamar os tempos novos, / mas cautelosos, furtivos, / para não acordar o povo .
No âmago da crítica corrosiva à História do Brasil se encontra, com força, a dimensão da economia. Aqui não se salienta a economia no sentido em que José Paulo Paes é reconhecido mestre, o da brevidade e concisão. A economia é mesmo a ciência social que trata do comportamento humano e da escassez e, na poesia em apreço, vai inserir uma crítica à relação entre o capital e o trabalho. Impressiona observar, do primeiro ao derradeiro livro, como o poeta foi incisivo ao aludir à alienação e à mais-valia, incorporando esses termos aos seus poemas pequenos: neles também surgem a mão-de-obra, a reprovação do lucro, os ataques ao escravismo e à acumulação de bens, o descalabro dos impostos.
Em Socráticas (2001), livro póstumo, um poema como Do credo neoliberal resume, com duas expressões populares em francês, o horror do poeta ao sistema financeiro, tanto mais impactante quando associado aos acontecimentos da crise atual: laissez faire // sauve qui peut! . Antes, em Meia palavra (1973), livro no qual o poeta inscreveu as suas glosas cívicas, eróticas e metafísicas , um poema como Seu Metaléxico procura empilhar palavras-valise que possam denunciar a mensagem que cada uma das palavras ocultava em sua forma de dicionário: economiopia / desenvolvimentir / utopiada / consumidoidos / patriotários / suicidadãos .
Para o bem ou para o mal, existe de fato uma mirada cínica nos poemas de José Paulo Paes, que se agrega constantemente ao seu grau de lucidez. O poeta, no entanto, não se petrifica como um crente da cartilha partidária ou do programa ideológico: sabe que também pulsam contradições nas causas que abraçou. Anos depois de escrever A Maiakóvski , em tom de celebração, ele organiza uma sequência de ironias dedicada ao dia do poeta em Oferendas com aviso , do livro Calendário perplexo (1983): vamos pôr um silenciador no túmulo de maiakóvski / para que o seu revólver não perturbe os planos qüinqüenais .
Perplexidade maior, contudo, ocorre no poema Quo vadis? , de um livro propriamente intitulado A meu esmo (1995), no qual comenta as desventuras do partido comunista. É quando o poeta abandona os correligionários, jocosamente reunidos num bonde, ao preferir descer e seguir sozinho, e andar a pé, mesmo sem ter para onde ir . Completa-se assim o caminho de José Paulo Paes, cidadão e poeta assombrado pelas injustiças de todos os tipos, a repetir provavelmente o nomadismo individual de Carlitos: ambos sempre transmitiram alguma graça e alguma ironia, embora o momento fosse sinistro.