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Idéia e Livros: o conceito de ilustração para crianças está mudando

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Juliana Krapp, JB Online

RIO - O papel de quem lida com as imagens dos títulos para crianças está mudando: todo o formato, agora, é visto como experiência artística

Além do catálogo da SIB Sociedade dos Ilustradores do Brasil um outro livro publicado há pouco aborda, de maneira diferente, o campo da ilustração para crianças e jovens no Brasil. Trata-se de O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador, no qual diferentes especialistas refletem sobre o ofício. E, meses atrás, um outro título já havia tocado no assunto: Pelos Jardins Boboli: reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens, assinado por um dos mais renomados ilustradores do país, o veterano Rui de Oliveira.

Seja pelas imagens ou pelos textos analíticos, todos confluem, de forma geral, para a mesma constatação: o papel do ilustrador está mudando. Não basta mais só criar as imagens, e, sim, pensar no livro como um objeto de arte, não apenas como suporte para o texto.

Ilustrar bem não responde mais às necessidades do mercado. O ilustrador precisa ter boas idéias explica Oliveira. O livro tem de acompanhar a indústria do brinquedo, que se desenvolve rapidamente. Então necessita de bom formato, boa diagramação, boa tipografia.

O livro como experiência

Parece óbvio, mas não é exatamente o que vinha sendo feito há alguns anos. Isabel Lopes Coelho, editora de infanto-juvenis da CosacNaify empresa que se destaca quando o assunto é o zelo pelo aspecto gráfico afirma que o mercado brasileiro se acostumou, durante muito tempo, a um tipo de formato de livro. E, assim, perdeu a capacidade de abusar na criação o que está recuperando agora.

Pelo menos no nosso catálogo [o da Cosac], os conceitos de livro infantil e de livro de design se misturam. Damos valor ao livro-objeto, aquele no qual o conceito gráfico traduz a experiência da leitura do texto completa.

São, de fato, pequenas obras-primas, como a versão em sanfona que o artista Odilon Moraes criou, em 2006, para o poema Ismália, de Alphonsus de Guimaraens. Ou os estrangeiros, lançados há pouco, O livro inclinado, de Peter Newell (veja matéria ao lado), e Na noite escura, de Bruno Munari.

Por livro-objeto, entende-se também os livros animados ou interativos : aqueles dotados de mecanismos móveis, dobraduras, janelas que se abrem nas páginas produto que tem se multiplicado no mercado brasileiro. Embora é preciso dizer: por enquanto, a maioria esmagadora dos livros animados são feitos no exterior. Isso se explica, sobretudo, pelas dificuldades de impressão, no caso de formatos diferentes, em território nacional. Geralmente, para diminuir os custos, são impressos na China, pela editora original, que modifica apenas o texto, de acordo com a língua para a qual será traduzido.

As vendas desse tipo de livro, conhecidos como livro-brinquedo, têm aumentado muito conta Júlia Schwarcz, editora da Companhia das Letrinhas. São livros de vitrine, livros-presente.

Outro fato é que os livros de imagem aqueles feitos só de ilustrações, sem texto algum estão aparecendo cada vez mais.

Estavam adormecidos, acordaram explica Marilda Castanha, que acaba de relançar seu livro de imagem Pula, gato!. E foi bom terem dormido por uns tempos, porque, agora, voltam desvinculados à ideia de que são só para crianças pequenas. Ele é também para as grandes, para os adultos, pois dá margem à invenção de diferentes histórias. É o tipo de livro que propicia o que a gente mais deseja com a ilustração: uma alfabetização constante pela imagem.

Prova de que o ilustrador está mesmo com a bola cheia.

O antigo complexo de inferioridade da ilustração diante da pintura, por exemplo, não existe mais enfatiza Oliveira. Hoje os ilustradores são convidados para expor em galerias e têm um domínio técnico que os pintores não têm.

Da mesma forma, é preciso dizer que os textos para livros infantis e juvenis, não raro, não acompanham o deslumbramento das imagens. Fato constatado pelas editoras:

Nós, na Companhia, tentamos privilegiar o texto. Mas, de fato, a literatura está perdendo espaço para a parte gráfica admite Júlia.

Pelo diálogo

Com isso tudo, o ilustrador tem sido a pessoa responsável também pelo projeto gráfico do livro. E tem, além disso, um desafio novo a encarar. Se, há alguns anos, poder-se-ia apontar questões de técnica ou mesmo uma possível competição entre imagem e texto, o que está em pauta hoje é sobretudo a melhor forma de aproveitar a experiência do livro.

A técnica de ilustração já não é mais o grande desafio do ilustrador aponta Marcelo Ribeiro, artista com cinco títulos considerados altamente recomendáveis pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Nossa missão agora é tornar mais próxima a relação entre o ilustrador, o escritor, o designer e o editor. Ou seja: o que está mudando é o olhar sobre o objeto livro.

Porque, apesar do voo de sucesso da ilustração no país, nem tudo são flores. Ainda há impasses a resolver, e um dos mais apontados pelos ilustradores é o que chamam de setorização : o isolamento entre as quatro peças do processo de criação, citados acima por Ribeiro. Porque. Em geral, ilustradores e escritores não mantêm qualquer diálogo durante o trabalho.

Quem é o autor?

Outro desafio e dos grandes é a questão dos direitos autorais. Com a participação do ilustrador crescendo cada vez mais na criação do livro, fica cada vez mais evidente a pergunta: será que o escritor é mais autor do livro que o ilustrador?

Respostas à parte, o debate em torno do percentual de direitos autorais anda acirrado. O modelo que ainda prevalece é o de atribuir todo o percentual dos direitos 10% das vendas ao escritor, enquanto o ilustrador recebe seu pagamento como um preço único, acordado, que costuma variar entre R$ 5 e R$ 15 mil por livro.

A turma de artistas da imagem, no entanto, reivindica que os direitos sejam pagos também a eles, depois da segunda edição, quando os custos da editora diminuem.

A questão é que, hoje, há grandes redes de vendas, vendas pela internet, compras governamentais. Com isso, a matemática que determina 10% para o escritor se modifica explica o designer Guto Lins. O que nós defendemos não é mudar os números, mas sim torná-los mais maleáveis.

Algumas editoras têm respondido a essa reivindicação com uma solução que mais parece um cobertor curto: sugerem ao escritor que divida seu percentual com o ilustrador.

A boa notícia é que, apesar da saia-justa, a relação entre escritores e ilustradores quando eles se cruzam, fato menos comum do que se costuma imaginar é das mais amistosas possíveis. Ou eles disfarçam muito bem. A maioria não titubeia ao afirmar que a velha ideia de que texto e imagem rivalizam na página teoria defendida até por Gustave Flaubert é pura balela.

A oposição entre texto e imagem é fictícia afirma Ribeiro. Existe, sim, uma tensão entre elas. O ilustrador precisa escapar do literal: a ilustração vai além do que o texto solicita.

A ilustração nasce da costela da literatura brinca Alarcão.