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Dizendo-se um pintor frustrado, Walter Carvalho explora o improvável

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Clara Passi, Jornal do Brasil

RIO - O premiadíssimo diretor de fotografia e de cinema Walter Carvalho confessa:

Sou um pintor frustrado.

E foi dessa vontade latente de empunhar pincéis que nasceram suas iluminuras, técnica que se difundiu pelo Mediterrâneo no século 19 e provém do contato do pincel embebido com emulsão de prata sobre fotografias impressas em papel de algodão.

Depois de 10 longos anos de experimentação, muitos acertos e tiros n'água, Carvalho expõe pela primeira vez 11 delas dentro da exposição coletiva Inédito, que a artista plástica argentina Susi Cantarino, dona da Galeria Metara, abre terça-feira, na nova filial da Rua Teixeira de Melo, em Ipanema.

Acompanham Carvalho três obras do designer Carlos Alcantarino e duas telas da pintora Katie van Scherpenber, todas inéditas. A série Iluminuras coroa a inquietação que move o fotógrafo para buscar o máximo de expressão nos objetos.

Não embarco na sacralização exagerada das novas tecnologias, não supervalorizo a fotografia. Trabalhar com papel de algodão e emulsão de prata é uma forma de buscar alguma expressão nas figuras fotografadas diz.

O que sai do laboratório que Carvalho toma emprestado do amigo fotógrafo Beto Felício são nódoas fotográficas em tons de cinza, preto e branco.

Gastei muito tempo com as iluminuras. Recentemente, fiz uma série que não deu em nada, por alguma reação química. Afinal, é uma maneira rudimentar de preparar o papel. Quando comecei a experimentar a técnica, entendi que precisava fotografar especialmente para aquilo, usar algumas fotografias que já tinha não adiantava.

Não é questão apenas de ajustar a câmera, a exposição à luz, explica o artista. É preciso estar aberto ao inesperado que surge quando o pincel pousa sobre as fotos.

Há espaço para o improvável, e é nesse espaço que me descubro. Ao passar a mão para agitar a revelação de uma das fotografias que estarão expostas, vi que tinha sofrido oxidação, criando uma estampa ocre sobre a foto preto-e-branco. Isso as faz únicas. A forma como o pincel toca o papel é única. Dói colocá-las à venda.

Observador compulsivo (ou vedor, como classifica sua obsessão por olhar, contemplar os objetos do mundo), Carvalho usou para matéria-prima das iluminuras fotos tiradas do interior da Bahia à casa do artista.

Não é você que encontra a foto, é a foto que te encontra.

O Carvalho artista plástico convive, sem ser preterido, com o premiado diretor de fotografia, que emprestou beleza a filmes de Glauber Rocha (Jorjamado no cinema), Nelson Pereira dos Santos (Cinema de lágrimas) e Luiz Fernando Carvalho, com quem enfileirou prêmios internacionais com Lavoura arcaica (2001). De Walter Salles, virou braço direito: é de Carvalho a fotografia de Abril despedaçado (2001), Central do Brasil (1998), Terra estrangeira (1995) e dos documentários Socorro Nobre (1996) e Krajcberg, o poeta dos vestígios (1987). Como diretor, trabalhou em parceria com João Jardim em Janela da alma e voa solo em Budapeste, adaptado do romance de Chico Buarque.

Sou workaholic, não dou chance ao tempo, que é cruel, avança inexoravelmente. Faço arte nos intervalos dos filmes que esteja fotografando ou dirigindo. Vou preenchendo-os com idéias de projetos que perpassam minha vida há 40 anos. Meu trabalho como fotógrafo não fica em segundo plano.

Carvalho diz sobreviver do cinema e, de quando em vez, se dá ao luxo de recusar um filme para preparar uma exposição, um livro. Enquanto revela suas iluminuras, Carvalho planeja a fotografia do próximo longa de Sandra Werneck e se prepara para entrar na reta final da montagem de Budapeste.

Já fiz a ultrassonografia do filme, sei qual será a cara dele. Em breve, darei início à finalização. As dificuldades que encontrei foram as de praxe: tempo curto, orçamento apertado.

As obras de Carvalho vêm à tona graças à insistência de Susi, amiga artista plástica, que abriu a matriz da Metara há 20 anos em Botafogo, com um acervo de pôsteres de grandes nomes das artes e confecção de molduras como chamarizes consideradas verdadeiras obras de arte.

Susi pôs os olhos nas iluminuras, que ainda estavam em desenvolvimento. Ela pedia para expor e eu recusava, pedia para deixar que eu terminasse. Mas em arte não há um término.

Susi completa:

Esse trabalho é muito lírico, delicado, me hipnotizou.