Carlos Helí de Almeida, JB Online
BERLIM - A platéia de jornalistas parece ter saído perplexa da primeira projeção para a imprensa internacional de Tropa de elite, de José Padilha, o candidato brasileiro ao Urso de Ouro de Melhor Filme do 58ª Festival de Berlim, no início da manhã de hoje a sessão de gala do filme, para público e convidados, seria no fim da tarde. Nenhum aplauso, mas também nenhuma vaia foi dirigida ao polêmico longa-metragem sobre o Bope, o Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.
É verdade que parte dessa perplexidade pode ter ficado perdida, literalmente, na tradução. Um problema técnico atrasou a sessão em cerca de 20 minutos, e a cópia disponível era legendada em alemão. Apanhada de surpresa, a tradução simultânea limitou-se a contar o que acontecia na tela, embolando a narração do protagonista, o Capitão Nascimento (Wagner Moura) com os diálogos do filme.
Vou reclamar com o Costa-Gravas (presidente do júri do festival) sobre essas falhas técnicas declarou ao JB Marcos Prado, o produtor do filme, depois da entrevista coletiva, que contou com a presença de Padilha, dos atores Wagner Moura e Maria Ribeiro, do diretor de fotografia, Lula Carvalho, e do co-produtor argentino da fita, Eduardo Constantini Jr.
A seu favor, Tropa de elite conta com o fato de nenhum outro filme exibido até agora na competição oficial ter causado verdadeiro impacto. Apesar da onda de favoritismo em torno de Daniel Day-Lewis, protagonista de Sangue negro, de Paul Thomas Anderson e indicado ao Oscar, Prado acredita que Wagner Moura tem chance na disputa pelo Urso de Prata de Melhor Ator.
Sou um otimista doente contou o produtor brasileiro. Levo em consideração o fato de Day-Lewis já ter levados os principais prêmios do mundo pelo papel; e ele ainda é o favorito para o Oscar. Acho que Berlim não vai querer se limitar a repetir um padrão. Além do mais, a Berlinale nunca premiou um ator brasileiro. Só atrizes: a Fernanda Montenegro, em 1998, por Central do Brasil, e Marcélia Cartaxo, em 1985, por A hora da estrela.
Produtor e diretor aproveitaram a passagem por Berlim para procurar parceiros para o próximo projeto, Paraísos artificiais, também sobre o consumo de drogas no Rio, mas desta vez sob a perspectiva dos usuários.
O diretor José Padilha defendeu a legalização de drogas leves, como a maconha, e assinalou que a discussão também envolve aspectos econômicos como a venda de cigarros e as bebidas alcóolicas. Esta última, lembrou o diretor, foi proibida na cidade americana de Chicago, nos anos 20, e gerou uma onda de crimes cometidos pela Máfia. Como já afirmara várias vezes no Brasil, o cineasta disse que ficou preocupado quando grande parcela da população viu no Capitão Nascimento, personagem de Wagner Moura um policial violento que usa a tortura como método de investigação a figura de um vingador .
Acho que essa distorção vem da necessidade brasileira de proteção opinou Moura, que também ficou assustado com a repercussão do filme no Brasil. Foi a coisa mais maluca que já testemunhei. Até no set os soldados do Bope que serviram como consultores pareciam orgulhosos com a possibilidade de ser representados no filme de forma supostamente correta.
Padilha: Tentaram me prender em minha casa
Na conversa com a imprensa após a exibição de Tropa de elite, o cineasta José Padilha monopolizou a curiosidade dos repórteres e críticos estrangeiros sobre o fenômeno inédito do filme, que vazou para o mercado pirata dois meses antes do lançamento nos cinemas.
Pesquisa encomendada pelo diretor aponta que Tropa foi visto por 11,5 milhões de pessoas no mercado paralelo; e vendeu, até o momento, 2,5 milhões de ingressos nos cinemas.
O problema de Tropa é que ele teve um lançamento completamente diferente do habitual. Quando distribuidores puderam lançar o filme e os críticos puderam, enfim, apreciá-lo, a população já tinha uma opinião formada sobre ele explicou o diretor.
No Brasil, Tropa de elite gerou acirrada discussão. Houve quem tachasse o filme de fascista, por sugerir que a classe média ajuda a financiar o tráfico nos morros cariocas. A outra parcela do público elogiou a coragem do roteiro, escrito em parceria com Bráulio Montavani, autor do script do premiado Cidade de Deus (2003). Padilha lembra que foi crucificado por todos os grupos sociais mostrados no filme, inclusive a polícia.
O Bope entrou com uma ordem judicial para impedir o lançamento do filme. A minha sorte é que a juíza encarregada do caso confirmou que a corrupção policial mostrada em Tropa realmente existe. Também tentaram me prender em minha própria casa.