Macksen Luiz, Agência JB
RIO - Não é tarefa fácil transferir para a cena um romance quase épico em sua extensão arquetípica e projeções culturais como A Pedra do Reino, que reúne os livros Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta e História d'o Rei Degolado nas caantingas do sertão ao sol da onça Caetana. Antunes Filho, adaptador e diretor da versão teatral da obra de Ariano Suassuna, em cartaz no Sesc Tijuca, persegue, primordialmente, esses aspectos referenciais que no livro se multiplicam em fatos e, na sua transposição para o universo de um Nordeste mítico, se desdobram em um personagem que recria em si a tradição picaresca dos heróis brasileiros.
No percurso de Quaderna, um Macunaíma da mata sertaneja, ou um João Grilo de esperteza mais exaltada, esbarra-se com o sebastianismo do movimento do Reino da Pedra, no século 19, e na declaração de independência do município de Princesa, na Paraíba, em 1930. São acontecimentos reais que o imaginário do personagem confunde com a sua própria existência.
Quaderna constrói-se como imagem de um reinado auto-investido, em que súditos tão semelhantes ao monarca exercem na fantasia e nos folguedos populares seu inexistente domínio. O Reino são duas pedras. O rei, um bufão picaresco que sabe que as mortes e assassinatos se inscrevem em disputas políticas e latifundiárias. Os súditos, como o rei, são brincantes que esperam, indefinidamente, a hora de entrar em palcos menos periféricos.
O romance, em sua volumosa carga, suscita a acaciana dúvida sobre a possibilidade do literário se tornar cênico. É evidente que tal passagem pode ser feita, a dificuldade se restringe ao modo como é realizada. A Pedra do Reino traz intrincada narrativa que, com os seus dois livros, fica ainda mais complicada, o que demonstrou recentemente o seriado homônimo exibido na televisão.
Antunes Filho desbastou a obra de maneira a encontrar o equilíbrio entre o tempo dramático e o espaço cênico. A trama demonstra-se pouco flexível à representação teatral, já que é pouco escorreita ao se derramar por atalhos e citações que exigem pontos referenciais e vazão para escoar o caudal de leitura. O desequilíbrio na evolução cênica provoca dispersão do eixo narrativo e alongamento no tempo dramático, gerando quebra de ritmo e esgarçamento de algumas cenas.
O diretor, no entanto, contrabalança esses vácuos com belos quadros em que as imagens de folguedos, cavalhadas, blocos carnavalescos e composições pictóricas preenchem o espaço, não de forma ilustrativa ou folclorizada , mas como expressão de um épico popular. Nesses momentos, a montagem ganha corpo e voz e revela, de maneira mais clara, as suas reais intenções.
A passagem das tropas e a dança das burrinhas têm força visual que empresta significados para além de sua beleza. A atuação de Lee Thalor, que sustenta a prosódia nordestina e a movimentação corporal com vigor, é a maior e mais grata revelação da montagem. Sua interpretação desenha o personagem como um herói da saga daqueles que se reinventam para sobrevir a um país indecifrável. E neste sentido, a sua atuação é translúcida.