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David Fincher e Cristian Mungiu levam lado obscuro da alma para Cannes

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Agência EFE

CANNES (FRANÇA) - O muito divulgado 'Zodíaco', do americano David Fincher, e o tão humilde como soberbo '4 luni, 3 saptamini si 2 zile', do romeno Cristian Mungiu, levaram hoje o lado obscuro da alma humana para a competição pela Palma de Ouro, no Festival de Cannes. O primeiro, protagonizado por Jake Gyllenhaal, Mark Ruffalo, Robert Downey Jr. e Chloë Sevigny, era aguardado com ansiedade desde que Fincher anunciou seu retorno a um tema - assassinos em série -, que em 1995 o levou ao auge graças ao sucesso mundial de 'Seven - Os Sete Crimes Capitais'.

No entanto, quem buscar semelhanças entre os filmes sairá frustrado de 'Zodíaco'. No filme, Fincher deixa de lado sua capacidade para imaginar tramas e se concentra em um caso real, o do "assassino do zodíaco' que aterrorizou São Francisco no início dos anos 70, sem que jamais fosse capturado.

O filme - que estréia dia 1º de junho - tem a enorme virtude de não deixar suas mais de duas horas e meia de duração se tornarem eternas, graças à vivacidade da montagem e uma ambientação excelente. No entanto, deverá decepcionar os seguidores do Fincher mais imaginativo, como o de 'Seven', 'Vidas em Jogo' (1997) e 'Clube da Luta' (1999), pois se limita a fazer um filme de gênero muito correto, mas que nos Estados Unidos saiu rapidamente de cartaz com uma arrecadação de US$ 33 milhões.

Fincher parece ter sofrido do mesmo problema que os policiais que investigam o caso: ter de analisar muitos dados, o que prejudica o desenvolvimento dramático dos personagens. O lado bom são as atuações de Gyllenhaal, Ruffalo e Sevigny, que hoje acompanharam o diretor na entrevista coletiva após a exibição.

- Tive que dar lugar no filme para explicar o que aconteceu, por isso não podia introduzir muitos elementos que dispersariam desse objetivo - reconheceu Fincher, que era criança quando ocorreram os fatos narrados.

- Lembro o que era ir para a escola e ser escoltado pela Polícia para nos proteger - disse o cineasta.

Hoje, Fincher considera o pânico vivido na época 'uma forma antiga de terrorismo'. A opinião é diferente da expressada com ironia por Gyllenhaal, que afirmou que 'há um assassino do zodíaco em todas as famílias'. O contrário do que foi dito sobre 'Zodíaco' é aplicável ao magnífico e duríssimo '4 luni, 3 saptamini si 2 zile', sem dúvida o melhor filme visto até agora no festival e com potencial para se destacar no dia 27 durante a distribuição dos prêmios.

Com um estilo sóbrio no qual não sobra nem falta um só plano, o filme do romeno Mungiu é capaz de, a partir de uma trama mínima e que transcorre em só um dia, saber apresentar o melhor e o pior da alma humana com magistral talento.

Para isso, o filme, ambientado na Romênia comunista do fim dos anos 1980, conta com um elenco, no qual se destacam Anamaria Marinca, Laura Vasiliu, Vlad Ivanov e Alex Potocean. Os quatro, mas com claro destaque para Marinca, apresentam uma história sobre um tema polêmico - o aborto clandestino - que é mostrado com toda dureza, o que fez muitos críticos e jornalistas se revolverem nos assentos. A dureza de muitas imagens, não aptas para estômagos delicados, são acompanhadas com uma realização impecável, com câmera no ombro, na qual o diretor de fotografia Oleg Mutu usa com habilidade não só os interiores frios, mas os exteriores escuros.

O filme, em resumo, na qual Mungiu, jornalista e ex-professor que estreou como diretor com 'Occident' (2002), dá esperança ao cinema da Romênia, embora o país 'esteja totalmente fora do 'star-system'', como ele mesmo reconheceu hoje. Sobre a dureza de algumas imagens, Mungiu disse que eram importantes porque o filme 'não é sobre uma situação, mas sobre as emoções em geral e as conseqüências das decisões tomadas, e era preciso mostrá-las', explicou em entrevista coletiva junto com Vasiliu, Ivanov, Potocean e Mutu. O filme também deixa aparentemente soltos alguns detalhes, porque ele 'acaba, mas a história continua, porque é uma parte da vida', ressaltou Mungiu na vazia sala de imprensa, que pouco antes estava cheia de jornalistas atraídos pelo brilho das estrelas que integram a constelação de 'Zodíaco'.