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Ator vive crise de identidade ao montar monólogo inspirado em Leonilson

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Desde o mês passado, o ator Laerte Késsimos passa seis horas por dia em uma loja entre a avenida São Luís e a rua da Consolação. O local tornou-se um híbrido de espaço de performance e galeria, onde ele busca se entranhar no universo de José Leonilson, inspiração por trás de seu próximo monólogo, com estreia prevista para outubro.

Não é a primeira vez que ele se aproxima do expoente da Geração 80, morto em 1993 em decorrência da Aids. Na Virada Cultural do ano passado, o ator passou 24 horas apresentando aos curiosos vida e obra do artista em um contêiner armado em frente ao Theatro Municipal, ação que chamou de "O Porto, Experimento Público Nº 1".

Nos encontros com os passantes, traçava paralelos entre a biografia de Leonilson e a sua própria. As mães dos dois são costureiras. O artista morreu em decorrência da Aids; o irmão mais velho de Késsimos é soropositivo. Leonilson morreu aos 36 anos, idade que o ator completou este ano. Ambos são homossexuais.

Desta vez, no entanto, a convivência com o fantasma do artista tem sido mais intensa. Na performance que exibe na galeria desde o começo de junho, o ator borda, costura, desenha e pinta obras baseadas naquelas criadas pelo artista cearense, enquanto tem sua imagem reproduzida ao vivo numa televisão na vitrine. Duas ou três vezes por dia, é interrompido por transeuntes, que costumam confundir a performance com ateliê de costura. Mineiro de Governador Valadares, Késsimos sempre os convida para um cafezinho. "Explico que é um ateliê, mas de arte", diz.

No início da performance, o ator construía apenas réplicas dos trabalhos de Leonilson, como um desenho famoso em que duas figuras sem rosto têm seus corpos unidos por uma ponte, ou um paninho cravejado de miçangas transparentes.

Ao longo dos 30 dias que passou na loja, contudo, elas ganharam vida própria, afirma Késsimos. Daí a decisão de exibi-las em uma mostra, batizada de "Como se Constrói um Coração".

Não que o ator, que não tem formação em artes plásticas e aprendeu a costurar para a performance, esteja lá muito seguro com a experiência. Um dos quadros expostos na subida da escada, no qual a palavra "Impostor" é bordada no canto da tela, resume seu estado de espírito.

"Construí uma ficção em que sou um artista plástico. Mas, ao mesmo tempo, essa não é uma exposição de mentirinha, eu que fiz essas coisas. Sou um mentiroso?", indaga. "Mas aí penso que foram só as coisinhas que eu fiz, do jeito que sei fazer. E aí fico mais tranquilo."

Muitas dessas "coisinhas" transformam imagens recorrentes na obra de Leonilson em objetos tridimensionais. É o caso de uma cadeira em miniatura de pés altíssimos, que remete ao desenho "So Many Days", de 1989, ou os copos rabiscados de "mulheres ciganos comunistas homossexuais negros aidéticos judeus aleijados", que se tornaram versões descartáveis de café tingidos de tinta branca e rotulados à mão.

Outras peças, mais recentes, introduzem obsessões pessoais de Késsimos. O dourado que contamina uma escada em miniatura também se alastra por uma série de objetos domésticos, expostos em uma vitrine. Uma série de fotografias de pássaros estatelados no asfalto ("encontrei muitos desde que comecei o processo", conta o ator) é enfileirada na parede, assim como dois pombos empalhados, escondido atrás de um lençol com ares de vó.

Nenhum dos trabalhos deve acompanhar o ator ao palco, embora ele planeje exibi-los em projeções de vídeo ou num espaço anexo. Além disso, Késsimos esclarece, a proposta não é fazer uma biografia nos moldes tradicionais.

"Leonilson fazia autoficção, criava em cima da própria vida. Comecei a achar que não fazia sentido fazer uma peça em que eu me vestia de Leonilson, fazia as pessoas acharem que eu era ele." Sua ideia, assim, é reproduzir menos a pessoa Leonilson e mais seu processo criativo, num espetáculo intimista no qual reflete sobre sua obsessão pelo artista.

A poucos meses da estreia, a repórter questiona como Késsimos acha que vai se sentir depois de se livrar de seu duplo. "Já estou me divorciando", diz. "Acho que os últimos trabalhos que fiz, já passei para um lugar meu, maior."

"O PORTO - EXPERIMENTO PÚBLICO Nº 1" E "COMO SE DESENHA UM CORAÇÃO"

ONDE Galeria Zarvos - av. São Luís, 258, lj. 14.

QUANDO Seg. à sex., 11h às 17h. Até 10/8.