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Em Cannes, francesa Céline Sciamma é aposta para a Palma de Ouro

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CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) - Em 72 edições do Festival de Cannes, só uma diretora recebeu a Palma de Ouro, o mais importante prêmio do cinema de arte. Foi a neozelandesa Jane Campion, com "O Piano", em 1993 e ainda teve que dividir o troféu com o chinês Chen Kaige, de "Adeus, Minha Concubina".

Neste sábado (25), a mostra cinematográfica pode se emendar e, a depender das apostas que se ouvem nos corredores, consagrar a francesa Céline Sciamma e seu "Portrait de La Jeune Fille en Feu" -drama histórico sobre a relação entre duas jovens e que também aborda, nas entrelinhas, a oposição entre o que é uma obra produzida por artista homem e o que é uma produzida por artista mulher.

Caberá a Alejandro González Iñárritu, presidente do júri neste ano, decidir se é hora de alguma reparação. O cineasta mexicano nunca deu acenos explícitos à causa feminista (seus filmes mais famosos, aliás, são embebidos de olhar masculino), mas ele tem a seu lado quatro juradas que, a seu modo, já expressaram inquietação com o tema -as diretoras Alice Rohrwacher e Kelly Reichardt e as atrizes Elle Fanning e Maimouna N'Diaye.

González Iñárritu é do tipo que, vez ou outra, embute algum comentário social mais genérico nos seus filmes. Parece alinhado a títulos que mandam uma mensagem humanista sobre convivência humana ("It Must Be Heaven", do palestino americano Elia Suleiman, "A Hidden Life", de Terrence Malick, "Sorry We Missed You", do britânico Ken Loach).

O brasileiro "Bacurau" é a grande esperança de o país levar a sua segunda Palma de Ouro (a única foi em 1962, por "O Pagador de Promessas"). O componente geográfico pode agradar o presidente do júri, o primeiro latino-americano a assumir o posto. Mas o longa de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, parece muito confrontador para os padrões do mexicano, mais dado a platitudes do que a histórias viscerais.

"Parasite", do sul-coreano Bong Joon-ho, foi um título que pintou na reta final da competição e chamou bastante atenção. Sua história sobre os abismos de duas famílias, uma rica e outra pobre, tem sua dose de crítica social na medida para cair bem num festival como Cannes.

Pesa contra o título o fato de que no ano passado, outro filme asiático, "Assunto de Família", do japonês Hirokazu Kore-Eda, levou o prêmio principal. E trazia já as mesmas temáticas que dão as caras no longa sul-coreano. É difícil, contudo, que a obra de Bong saia da França de mãos abanando.

Entre os outros pesos pesados da disputa estão dois diretores veteranos, Quentin Tarantino ("Era uma Vez em Hollywood") e Pedro Almodóvar ("Dor e Glória"). Ambos fazem declarações de amor ao cinema em seus filmes, assunto que sempre comoveu o povo da indústria, algo autorreferente.

O americano já ganhou a sua Palma, em 1994, por "Pulp Fiction". E seu novo filme, apesar de exaltado como um retorno à boa forma, não foi unânime. Já o espanhol nunca levou o prêmio, muito embora "Tudo sobre Minha Mãe" tenha chegado perto, em 1999. Uma vitória sua teria gosto de compensação histórica mais pelo conjunto da obra do que pelo longa em si.

Entre os veteranos da disputa, um com menos chances de levar o prêmio é o tunisino Abdellatif Kechiche, por seu "Mektoub, My Love: Intermezzo". A não ser que os jurados queiram comprar briga com movimentos feministas como o #MeToo.

O longa já começa com uma longuíssima cena de 35 minutos que exibe uma profusão de bundas e seios bronzeados que desfilam de biquinis e maiôs diante da tela, muitas vezes filmados em close-ups e com uma câmera que não esconde o seu desejo voyeur.

Nas horas seguintes -sim, tem três horas e meia de duração-, o ambiente muda da praia para uma balada onde as garotas da história continuam rebolando, dançando em palquinhos e dando amassos em rapazes igualmente suados numa atmosfera carregada de erotismo.

Em conversa com jornalistas, Kechiche, de "Azul É a Cor mais Quente", disse que queria celebrar "a metafísica dos corpos".

"Há algo misterioso nas formas humanas que te botam em outro estado. Não escolhi pessoas bonitas em si, mas pessoas que traziam uma chama", disse, entre respostas atravessadas e outras escancaradamente grosseiras.

O cineasta se enfureceu quando lhe perguntaram sobre a investigação que corre a respeito do suposto abuso sexual cometido contra uma atriz. "É uma pergunta estúpida", disse. "Estamos num festival, celebrando cinema. Não estou a par de nenhum inquérito. Se quer saber, minha mente está tranquila."

(GUILHERME GENESTRETI)