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Cineasta faz provocação ao #MeToo com longas cenas de bundas e seios

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Só a primeira sequência do filme "Mektoub, My Love: Intermezzo", de Abdellatif Kechiche, tem uns 35 minutos. Ela consiste numa profusão de bundas e seios bronzeados que desfilam de biquínis e maiôs diante da tela, muitas vezes filmados em close-ups e com uma câmera que não esconde o seu desejo voyeur. Em sua sessão de imprensa, despertou risos nervosos.
Nas horas seguintes -sim, o longa tem três horas e meia de duração-, o ambiente muda da praia para uma balada onde as garotas da história continuam rebolando, dançando em palquinhos e dando amassos em rapazes igualmente suados numa atmosfera carregada de erotismo.
Diretor do premiado "Azul É a Cor Mais Quente", o tunisino Kechiche não parece estar nem aí para o #MeToo e para todas as discussões a respeito de mulheres retratadas como objetos sexuais na tela. E ele ainda desembarcou no Festival de Cannes trazendo nas costas a acusação de ter abusado de uma atriz num hotel parisiense.
Em conversa com jornalistas no dia seguinte à exibição, o cineasta falou que queria celebrar a "metafísica dos corpos" em sua nova obra, que retoma personagens de "Mektoub, My Love: Canto Uno", de dois anos atrás.
"Há algo misterioso nas formas humanas que te botam em outro estado. Não escolhi pessoas bonitas em si, mas pessoas que traziam uma chama", disse, entre respostas atravessadas e outras escancaradamente grosseiras.
Mal-humorado, reclamou quando tentavam lhe arrancar detalhes sobre a preparação do longa e não deixou que seus atores respondessem às perguntas da imprensa. "Não há necessidade."
No mais próximo que chegou de responder sobre a erotização dos corpos, falou que se inspirou no cubismo e nas esculturas parisienses. "Se você olhar para cima em Paris, vê lindas deuses e anjos. Queria filmar com essa mesma perspectiva, a partir de baixo."
"Mektoub" traz um fiapo narrativo. Embora contenha inúmeros diálogos para preencher a sua longuíssima duração, não traz um enredo disposto a ser didático ou a dar grandes informações sobre as motivações de seus personagens.
Em linhas gerais, o que se tem é a retomada da história de Amin (Shaïn Boumedine), um jovem fotógrafo de origem tunisina que reencontra a sua velha turma ao retornar no verão para a sua cidade natal, Sète, no sul da França. Ali, os amigos passam os dias passando xavecos na praia e as noites se esfregando na balada. Pouco acontece além disso.
"Queria uma experiência cinematográfica que fosse o mais livre possível e quebrar as regras da narrativa que foram definidas na história do cinema", disse o diretor. Ainda segundo ele, não causa aborrecimento algum a informação de que vários espectadores deixaram a sala de cinema durante a projeção.
"Nem todos estão abertos a esse tipo de experiência, nem todas as pessoas compartilham da forma como eu olho para os outros. Seria um desastre se todos vissem o filme da mesma forma."
O cineasta se enfureceu quando lhe perguntaram sobre a investigação que corre a respeito do suposto abuso sexual cometido contra uma atriz. "É uma pergunta estúpida", disse. "Estamos num festival, celebrando cinema. Não estou a par de nenhum inquérito. Se quer saber, minha mente está tranquila."
Kechiche tem um longo histórico de controvérsias relacionadas à forma como exibe corpos, principalmente os femininos, em seis filmes.
Com "Azul É a Cor Mais Quente", com o qual levou a Palma de Ouro seis anos atrás, ele já havia sido criticado pela forma como retratou o romance lésbico das personagens da história -mais como um fetiche masculino do que como uma empatia genuína.
As atrizes Léa Seydoux e Adèle Exarchopoulos reclamaram naquela ocasião de terem se sentido usadas pelo diretor. Na mais comentada cena do filme, as duas protagonizam uma cena bastante gráfica de sexo, com mais de seis minutos de duração.