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Nanni Moretti em múltiplas latitudes

Premiado cineasta italiano lança documentário sobre golpe de estado no Chile e prepara longa de ficção baseado em escritor israelense

Fotos: Divulgação -
Ator e diretor, de 65 anos, faz uma visita Santiago em documentário sobre as memórias da tortura
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Existe um esporte definido pelo cineasta Nanni Moretti como um "passatempo tipicamente italiano",  que é a lamentação:  "Venho de uma pátria onde as pessoas reclamam e se fazem de vítimas para não encarar os erros que cometem em relação à política,  em uma atitude de total descaso com o próximo",  disse o diretor de "O quarto do filho" (Palma de Ouro de 2001) ao JORNAL DO BRASIL,  na França,  enquanto começava as filmagens do documentário "Santiago, Itália",  que lança ainda este mês na telas da Europa.

O novo projeto é uma viagem pelo passado do Chile,  com base no golpe militar que depôs Salvador Allende e a utopia de um regime de tons socialistas na América Latina.  Moretti colhe diferentes depoimentos - de artistas, de líderes operários,  de professores e do cineasta Patricio Guzmán -,  a fim de construir um mosaico de vozes acerca do trauma da perda da liberdade democrática.

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Ator e diretor, de 65 anos, faz uma visita Santiago em documentário sobre as memórias da tortura (Foto: Fotos: Divulgação)

A intervenção totalitária,  assunto que inspirou o .doc do realizador de "O Crocodilo" (2006),  também se faz presente em seu novo projeto de ficção,  já em produção:  "Tre piani",  uma adaptação do romance israelense "Three floors up",  de Eshkol Nevo,  ambientado em um prédio em Tel Aviv.

"Não diria que sou um cineasta político, mas  alguém que se interessa pelos conflitos que chegam à minha porta,  mesmo que eu não saia à procura deles.  A realidade vem e se faz notar em suas mazelas sociais,   em seus desrespeitos ao bem alheio.  Mesmo quando eu filmo algo que se passa em outra realidade,  outro mundo,  é da Itália que eu estou falando,  com todas as contradições que a acomodação moral nos causou",   explica o cineasta,  que lançou o longa sobre a História chilena no Festival de Turim,  em dezembro,  em uma entressafra de projetos ficcionais -  seu último longa foi "Minha mãe",  ganhador do prêmio do Júri Ecumênico de Cannes, em 2015.  "Desde a minha estreia, em 1973, eu sou um ator que dirige, para ter plena liberdade de buscar uma voz própria, que surpreenda o espectador".

Ainda inédito no Brasil, "Santiago, Itália" foi elencado pela revista "Cahiers du Cinéma"  como um dos filmes mais importantes de 2019,  sobretudo pela forma como o cineasta recria memórias sobre a tortura no governo militar que depôs Allende.  Há uma série de depoimentos sobre crimes de Estado,  com destaque para o depoimento de uma jornalista que fala sobre como a sua torturadora,  uma militar grávida,  obrigava-a a costurar um casaco para seu bebê.

Aos 65 anos,  Moretti vai finalizar "Tre piani" este ano,  de olho numa vaga na competição de Cannes. Ele deve participar do elenco,  no papel de um dos moradores de um apartamento cujos inquilinos lidam com suas mediocridades e fracassos.

*Roteirista e crítico de cinema

xxxxxxxxxxxxx - Filme reúne imagens de arquivo do golpe no Chile de Allende