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Cinema sem coleira, mas com pedigree

DOGMAN (**** - Muito bom)

Fotos: Divulgação -
Fiel a seus cães, Marcelo parte para a vingança em "Dogman"
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Bangue-bangue sem balas, sobre um tratador de cães submisso a uma suposta amizade até o limite do desdém, o inflamável "Dogman" foi um dos maiores sucessos do audiovisual romano, coroado em Cannes com o prêmio de melhor ator (Marcello Fonte) e outros prêmios, que deram mais prestígio a Matteo Garrone na direção. Seu nome diz muito sobre o que a Itália é (ou melhor, voltou a ser) na telona.

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Fiel a seus cães, Marcelo parte para a vingança em "Dogman" (Foto: Fotos: Divulgação)

Para entender, é preciso voltar ao passado. Pátria de Fellini, De Sica, Lina Wertmüller, Antonioni, Pasolini, Bertolucci e outros mestres, a Itália foi uma pedra no sapato de Hollywood de 1945, quando o neorrealismo se acendeu, até meados dos anos 1990, período em que a indústria audiovisual para a telona foi sucateada em prol da TV. Até a segunda metade dos anos 2000, só Nanni Moretti, Roberto Benigni, Pupi Avati, Gianni Amelio e Marco Bellocchio mantiveram a potência autoral da Itália em riste, porém sem a mesma mobilização popular, entre os anos 1960 e 80. De lá, veio o spaghetti western (com Sergio Leone e Tonino Valerii), o Peplum (filmes de gladiadores romanos, como "Os últimos dias de Pompeia"), a comédia erótica (sofisticadas, como "Pato com laranja", ou bagaceiras como "A colegial"), o giallo (terror tipo "O pássaro das plumas de cristal") e Trinity (chanchadas com Bud Spencer e Terence Hill). Mas todos esses filões ficaram para trás, enquanto as produções de Roma, Turim, Sicília e cia. perdiam a força, dando àquele país uma fama de decadência cinematográfica. Mas esta se diluiu a partir de 2008: ali, uma nova geração de diretores ganhou projeção internacional. Batizada informalmente de Risorgimento, essa onda autoral tem realizadores que não se renderam à tradição como Alice Rohrwacher ("Lazzaro Felice"), Emanuele Crialese ("Terraferma"), Laura Bispuri ("Minha filha"), Luca Guadagnino ("Um sonho de amor"), Paolo Sorrentino ("A grande beleza") e Garrone. "Gomorra" (2008) fez dele um cronista dos desvalidos, que encontram no crime uma instância de afirmação. Pintor, ele dá a suas narrativas, mesmo as mais realistas, um colorido saturado, plúmbeo, que acentua tensão e incertezas. Em "Dogman", Marcello (Fonte) explode após anos e anos de abuso, não por humilhação. Ela é familiar a ele. O problema é perceber o desamor alheio. Tratar cachorros deu a ele a dimensão da fidelidade. Mas cães mordem. Sobretudo aqueles que não ladram. E vinganças são gestadas em silêncio.

*Roteirista e crítico de cinema