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'Marighella' injeta adrenalina nas veias de Berlim

Festival alemão, que conhecerá hoje o ganhador do Urso de Ouro, mergulha na resistência à ditadura militar, no Brasil dos anos 1960, de carona na estreia de Wagner Moura na direção

Divulgação -
Marighella (vivido por Seu Jorge) protege o filho, Carlinhos, em meio a um cerco dos militares
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Estandarte de controvérsia - pela coragem de apostar na dialética, ao apontar a luz e as trevas da direita e da esquerda - e de virtuosismo, por seu ritmo narrativo digno dos bons thrillers de Costa-Gavras (como "Z" e "Estado de sítio"), "Marighella" funcionou (extraoficialmente) para a reta final do 69º Festival de Berlim como filme de encerramento, e dos mais explosivos, para uma maratona de tônus político. Passou fora da peleja por troféus. De seu início, no dia 7 de fevereiro, com "The kindness of strangers", até ontem, quando o primeiro longa dirigido por Wagner Moura teve sua première mundial, a Berlinale 2019 não viveu nenhum momento morno ou de falta de gás estético, sempre coalhada de tramas polêmicas e ou de experiências de linguagem fora dos padrões. Mas a chance de ver o Brasil de Jair Bolsonaro exumar seu passado de farda, numa analogia ao conservadorismo atual, caiu para os alemães como uma iguaria fina, tendo um ídolo da música de visibilidade global, como o carioca Seu Jorge esbanjando carisma no papel central. E ainda teve direito a uma atuação devastadora de Bruno Gagliasso como Lúcio, o delegado que caça o guerrilheiro.

"Todos os personagens de um filme precisam ser vivos, complexos, e não é só neste longa, que reforça a necessidade da resistência. O fato de ele se colocar ao lado dos que resistiram não o transforma em uma narrativa maniqueísta de vilões contra mocinhos. O personagem do Bruno acredita no que está fazendo, lembrando um pouco o Capitão Nascimento. Era um material muito grande, que eu acabei cortando. Eu não preciso defender Marighella: ele está lá com todas as suas contradições. É um homem negro que foi morto, dentro de um carro, pelo Estado, por defender ideais democráticos e lutar por pessoas que são desassistidas. Depois de 50 anos, uma outra pessoa negra, agora uma mulher, a vereadora Marielle Franco, foi morta também em um carro pelas mesmas razões", disse Wagner ao JB na Berlinale.

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Marighella (vivido por Seu Jorge) protege o filho, Carlinhos, em meio a um cerco dos militares (Foto: Divulgação)

Tratado na Alemanha com status de popstar não apenas pelo fato de "Tropa de elite", no qual celebrizou a figura de Nascimento, ter ganho o Urso de Ouro, em 2008, mas pelo sucesso da série "Narcos" em todo o planeta, Wagner assume em seu longa um recorte de tons heroicos dos esforços de Marighella para combater os militares. Na trama, escrita pelo ator e por Felipe Braga, o poeta, deputado e militante baiano vivido por Seu Jorge confronta a esquerda com uma discussão sobre a importância estratégica da luta armada. Acaba expulso do partido em que milita por sua aposta em um contra-ataque com tiros e bombas. Seus feitos levam Lúcio (Gagliasso, numa atuação enraivecida, mas com alguma fragilidade afetiva) a ampliar o cerco, vigiando o filho de Marighella, Carlinhos, um menino. "A relação pai e filho é fundamental para mostrar que estamos diante de uma história de sacrifício. Ele se sacrificou para que Carlinhos pudesse viver em um Brasil livre", disse Wagner.

*Roteirista e crítico de cinema

abc - "Marighella" na Berlinale: Wagner Moura, o astro Seu Jorge e as produtoras Bel Berlinck e Andrea Barata Ribeiro