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Rachid Bouchareb: 'Um tira da pesada' à moda argelina

Divulgação -
O ator Omar Sy, consagrado mundialmente pela atuação em 'Intocáveis', tira sarro da polícia americana em cena de 'Le flic de Belleville', nova obra de Rachid Bouchareb
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Cronista de relações pautadas pela lealdade, em contextos de intolerância, o diretor argelino, nascido em Paris, Rachid Bouchareb, consagrado por filmes como “Dias de glória” (2006) e “London River” (2009), encontrou no humor uma forma de afiar e popularizar seu ferramental político: “Le flic de Beleville”, seu novo trabalho, vendeu 250 milhões de ingressos em sua estreia. A receita se chama Omar Sy, astro do fenômeno “Intocáveis” (que vendeu 19 milhões de ingressos só na França, em 2011). Ele é o astro deste thriller de tons cômicos, parecido com “Um tira da pesada” (1984), no qual Sy é um policial francês numa cruzada (atrapalhada) de vingança em Miami. A boa arrancada do longa-metragem nas bilheterias europeias fez com que Bouchareb recebesse tratamento vip no Rendez-vous Avec Le Cinéma Français, evento realizado anualmente em Paris pela Unifrance. É ela a instituição responsável pela promoção do audiovisual francófono no mundo. Num bate-papo num hotel parisiense, o Collectionneur, Bouchareb faz uma análise geopolítica da arte de filmar.

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O ator Omar Sy, consagrado mundialmente pela atuação em 'Intocáveis', tira sarro da polícia americana em cena de 'Le flic de Belleville', nova obra de Rachid Bouchareb (Foto: Divulgação)

JORNAL DO BRASIL: Ao filmar com um astro do quilate de Omar Sy, dando a ele um personagem similar aos policiais vividos por Eddie Murphy, o senhor tem em mãos algo próximo de um herói. Qual é o lugar do heroísmo no seu filme?

RACHID BOUCHAREB: Fiz um filme, há dez anos, chamado “London River”, no qual um africano muçulmano já idoso ia para a Inglaterra atrás de seu filho, desaparecido após um atentado. Pra mim, aquele velho, bem simples, assumindo seus deveres de pai, é um herói. O heroísmo no meu cinema é o espelho das causas sociais. O policial vivido por Omar encarna a imagem do afrodescendente deslocado, tentando a vida na França, às voltas com racismo, com corrupção e com resquícios do escravagismo de séculos passado. Meu herói não é aquele que resolve o problema, é aquele que expõe uma crise, que retrata uma contradição.

Qual foi o fruto mais significativo de sua investida no humor?

Eu procurei fazer uma comédia que me permitisse criticar uma série de problemas relacionados à diáspora africana, começando pela questão da imigração e indo para temas como o preconceito racial e a ação de autoridades corruptas. Ao mesmo tempo, ao falar da polícia dos EUA, mostro a presença de latinos, sobretudo cubanos, entre os agentes da lei. O desafio era fazer essa reflexão multicultural sem ser didático e sem levantar bandeiras. Para evitar isso, eu enxugo diálogos. Confio na imagem.

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Rachid Bouchareb (Foto: Divulgação)
Na trama de “Le flic de Beleville”, Baaba, o policial vivido por Omar Sy, viaja a Miami para se vingar da morte de um amigo e, lá, trava amizade com um agente local, vivido por Luiz Guzmán, com quem forma uma leal relação. A lealdade costuma ser a questão central de sua obra. Qual é o sentido de se falar de pessoas leais nestes tempos de intolerância?

É uma forma de desafiar a polarização que vivemos hoje, onde todos ou são pró ou são contra um assunto qualquer. Não há mais moderação lá fora. Mas, no meu cinema, há. Meu assunto é o encontro, a coalisão de olhares e culturas. Não é só Trump que constrói muros para separar as pessoas. Há muitas fronteiras, mas há, também, muita gente para transpor limites.

E de que maneira o contexto político da França de hoje favorece seu olhar?

Temos uma França lotada de africanos que lutam para sobreviver. Da mesma maneira, há muitos franceses vivendo em solo africano, buscando outras formas de viver. A questão é a dificuldade de sobrevivência com o que se ganha aqui, para um imigrante, assim como as dificuldades sociais na África. Só a tolerância e o equilíbrio podem fazer alguma diferença diante de um quadro desses.

Divulgação - Rachid Bouchareb