Comunidade, periferia, conjunto são os eufemismos criados para deixar de chamar favela de favela. Como se o termo favela fosse desqualificador, como se lá morasse uma gente diferenciada a quem estivesse destinada só uma vida sem recursos. E o sem recursos, além dos verdadeiros pelo abandono das autoridades, também incluísse desejos, amores, afetos. Mas a realidade é maior e melhor. Nas favelas há violência, há crime, mas há encontros, nascimentos, mortes, e muita , mas muita amizade e união. A peça “Favela 2 – A gente não desiste”, uma continuação da também comédia musical “Favela”.
Com texto de Rômulo Rodrigues e direção de Marcio Vieira, o espetáculo conta com músicas inéditas de Xande de Pilares, feitas especialmente para o espetáculo, e direção musical de Marcio Eduardo Melo. O elenco afinado é formado por 21 talentos genuínos: Thiago Justino, da novela “Rock Story”; Dja Marthins, da novela “Segundo sol”, Leandro Santana, indicado ao Prêmio Shell 2018, Jefferson Melo, indicado ao prêmio Fita de ator revelação pela sua atuação em “Favela 2”, Lucas da Purificacão, Jr. Castro, Sarito Rodrigues, Renata Tavares,Tito Sant’anna, Cinthia Andrade, Leandro Santanna, Paula Pardon, Dilene Prado, Ana Paula Quevedo, Natalio Maria, Helena Giffoni, Daniel Almeida, Henrique Sathler, Walace Fortunato, William Nascimento, Gisele Castro, Claudia Leopoldo, Daniel Baroni , Caio Vegatti, Jorge Jeronymo, Maria Zenayde.
“Favela 2” tem grandes acertos além da sua própria proposta: humor, com a técnica de multitrama, mostrar que os problemas que acontecem em uma favela são os mesmos encontrados em qualquer lugar. Assim, não se é bom ou mau por causa da religião. A ética está nas pessoas e não na religião ou na profissão. A pastora é a líder boa da comunidade, enquanto Pastor é associado ao miliciano. Com leveza, piadas, trocadilhos , o texto é um acerto no humor, pois leva a plateia a gargalhar. Muito e alto.
“Favela 2” é a continuidade do espetáculo anterior, “Favela, uma segunda “temporada”. Mesmo para quem não viu o primeiro, há compreensão na medida em que as cenas funcionam como episódios de uma série. A linguagem extremamente contemporânea, com tramas que se entrelaçam e se desdobram para perceber de que forma os personagens sempre têm uma interferência na vida do outro, seja de forma permanente, no casamento, na relação familiar ou casual. Para tanto, os figurinos são um apoio como elemento cênico bastante forte. As pessoas estão vestidas como realmente são as características dos personagens, mas se conseguem detalhes fenomenais, como o xale da “crente”. A cereja do bolo são as unhas prateadas de Dona Jurema, a personagem que comemora seus cem anos como um baile de debutante. A partir do fio condutor, a expulsão dos habitantes de sua casa para dar passagem a uma obra pública - tema motriz nos anos 60 -, “Favela 2” vai evidenciar que a cultura local é a forma pela qual as pessoas podem sobreviver encasteladas, e isso é uma defesa, para não sofrer mais preconceito e rejeição quando saem de seus casulos. O espetáculo é a prova concreta de que a boa dramaturgia se faz com o que é próprio do teatro: bom texto, direção acertada, interação com a plateia, belos e eficientes cenário e figurino. E sobretudo atores e atrizes que representam com entusiasmo, dedicação e que entendem que o artista só quer ser feliz. Não importa se nasceu na favela ou no asfalto.
*Professora do Depto. de Comunicação da PUC-Rio e doutora em Letras
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Serviço
“Favela 2 – A gente não desiste”
Teatro Carlos Gomes (Praça Tiradentes s/n; Tel.: 3111-2011). De qui. a sáb, às 19h, e dom., às 18h. R$ 40. Classificação: 14 anos.