ASSINE
search button

Com orgulho no coração do Brasil: confira crítica da peça "Bem sertanejo - O musical"

Divulgação -
Michel Teló toca, dança e canta, encarnando toda a trajetória da música sertaneja
Compartilhar

Desde o século XIX, existe um embate em relação ao chamado gosto pelas artes. Criam-se regras, escalam-se valores, determina-se o que é bom e o que não é. A chamada arte popular - e agora considerada pop - tem sido objeto de todo o tipo de preconceito. E quando é herdeira de uma cultura de raiz, popular/folclórica mais apanha. O musical-show-concerto-ópera “Bem sertanejo – O musical” consegue ultrapassar todas essas questões. É música ótima, figurinos e cenários deslumbrantes, elenco de primeiro e a estrela competente Michel Teló.

O premiado diretor Gustavo Gasparani é também o autor do texto que, de forma ao mesmo tempo didática e emocional, passeia pela música sertaneja, um gênero brasileiro importante, constituidor de nossa identidade, desde a sua gênese até o fenômeno pop da atualidade. O trajeto da música sertaneja começa com as entradas e bandeiras, o apoio à busca de riquezas e o móvel de identificação da nacionalidade então começando. A viola é integradora em um território no qual o litoral ainda não guardava o significado de superioridade de hoje.

Macaque in the trees
Michel Teló toca, dança e canta, encarnando toda a trajetória da música sertaneja (Foto: Divulgação)

Gustavo lança a rede e colhe os melhores peixes do nosso cancioneiro. O roteiro musical é um bem-sucedido itinerário no qual fica evidente que as fronteiras entre o popular, o folclore e o clássico/erudito só existem como marcadores em gêneros diferentes. É arrebatador ver “Disparada”, “Trenzinho caipira”, de Villa Lobos, “Cio da Terra”, “O tropeiro” e “Romaria” ao lado de canções ancestrais, “A dor da saudade”, “Chora viola”, entre outras e sucessos recentes como “Pense em mim”.

A clara opção de se utilizar os quadros de Tarsila Amaral como a matriz de construção do cenário de Gringo Cardia de tirar o fôlego, que muda, se transforma, nos mostra essa brasilidade recuperada e valorizada pela Semana de Arte Moderna de 22. Como a música sertaneja, o Brasil como tema era totalmente alijado das chamadas artes eruditas. O movimento paulista reinstala os valores do nação como o que deve ser o nosso orgulho. Está tudo lá. Abaporu, Os operários, a sua fase das casas caipiras. Essa dupla articulação entre a artista que efetivamente inaugura a pintura brasileira com a música que se refere a essa mesma nacionalidade é mais do que um achado. É uma declaração do que é a cultura brasileira.

O elenco equilibrado, talentosamente pluriapto, pois cantam, dançam e tocam, é formado por Claudio Lins, José Mauro Brant,Cris Gualda e Luiz Nicolau, Alan Rocha, Daniel Carneiro, Gabriel Manita, Jonas Hammar, Pedro Lima, Rodrigo Lima e Sergio Dalcin. Lilian Menezes, a única mulher, reencena todas as fases da presença feminina na música sertaneja. Fingindo-se de homem, mulher até as atuais poderosas da sofrência. Os figurinos de Marcelo Olinto, além de bonitos, permitem que haja a necessária atualização, com o estereótipo do sertanejo transformado em bom gosto e expressão daquilo que Gustavo quer dizer.

E Michel Teló? Um rigoroso e excelente instrumentista, tocando a sanfona com a posição manual correta e abertura do fole de forma precisa, tirando os sons que empolgam a plateia. Cantando, dançando e atuando, Teló encarna todo a trajetória da música sertaneja. A erudição nos instrumentos, os passos que levantam os ouvintes e a voz que se adapta a cada canção, em seu ritmo, linha melódica e letra. Maior sucesso internacional do momento, Michel Teló tem uma qualidade rara: é um companheiro generoso, que se integra ao grupo, sem ofuscar ninguém. É nessa combinação rara do genial caminho escolhido por Gustavo Gasparini e a personalidade carismática de Teló fazem de “Bem sertanejo - O musical “ um grande trabalho. Verdadeiramente musical-show-concerto-ópera com tudo a que se tem direito. Inclusive o enorme prazer de nos reencontramos com o melhor do Brasil.

----

SERVIÇO

Cidade das Artes (Av. das Américas, 5300 – Barra: Tel.: 3325-0102). Qui. e sex., às 20h30; sáb., às 17h e 20h30 e dom., às 19h30. R$ 75 a R$ 200. Até 20/1.