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Um Globo de Ouro para novos tempos

Premiação que tem a comédia Vice como líder de indicações, valoriza debates raciais, filmes de super-herói, ídolos da música pop e a grife Netflix via ROMA

Divulgação -
Celebrizado como Bruce Wayne na trilogia Batman, Christian Bale interpreta o político Dick Cheyne em "Vice"
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Antenado com os debates raciais mais fervorosos da atualidade, encantado por super-heróis, de mãos dadas aos canais de streaming e caloroso com ícones da canção pop, o Globo de Ouro surpreendeu a indústria do audiovisual - e toda a comunidade cinéfila – com sua seleção de concorrentes para 2019, anunciada ontem. Nela, reflete-se a nova ordem das telonas do mundo, em sua luta para preservar o diálogo com as plateias de hoje, sem perder o público mais tradicionalista. O recorde de indicações (seis) pertence a uma comédia política ainda inédita: “Vice”, com o galês Christian Bale, o Batman, 20 quilos mais gordo para viver o ex-vice-presidente americano Dick Cheney. Mas, fora essa sátira aos bastidores da Casa Branca e seus líderes, dois fenômenos ligados à música - “Nasce uma estrela”, com Lady Gaga, e “Bohemian rhapsody”, sobre a banda Queen - estão entre os concorrentes de maior visibilidade ao prêmio. Ambos entram como enredos dramáticos e não como espetáculos musicais. Com uma bilheteria de US$ 362 milhões, o longa sobre uma cantora em ascensão, dirigido e estrelado por Bradley Cooper, concorre a melhor filme, direção, ator, atriz e canção original (“Shallow”), mas Lady Gaga terá de suar a camisa para derrotar Glenn Close, em concurso com “A esposa”. Já a saga de Freddie Mercury, que faturou cerca de US$ 550 milhões na venda de ingressos, tem tudo para premiar Rami Malek, que vive o cantor em cena. Não há longas brasileiros em concurso na festa da Hollywood Foreign Press Association (HFPA), agendada para 6 de janeiro, no Beverly Hilton Hotel, tendo Sandra Oh e Andy Samberg como apresentadores.

Como já é tradição, o Globo de Ouro divide as produções entre Drama e Comédia/Musical. Neste segundo hemisfério, o mais feroz rival de “Vice” é um engraçado folhetim focado no preconceito no interior dos Estados Unidos: “Green book: O guia”, grande sensação do Festival de Marrakech, que termina neste sábado no Marrocos. Ele emplacou cinco indicações, fazendo de Viggo Mortensen um favorito no páreo de melhor ator e de Mahershala Ali um potencial ganhador do troféu de ator coadjuvante. Viggo vive um motorista racista às voltas com um patrão negro: um pianista de prestígio. A vitória deste longa, de Peter Farrelly (codiretor do besteirol “Quem vai ficar com Mary?”), é a celebração da tolerância, um dos temas mais debatidos do ano. É o mesmo tema que pode dar a Spike Lee um (merecido) troféu de melhor direção pelo hoje cultuado “Infiltrado na Klan”, que valeu ao novato John David Washington, o filho de Denzel Washington, uma indicação ao prêmio de melhor ator dramático.

Macaque in the trees
Celebrizado como Bruce Wayne na trilogia Batman, Christian Bale interpreta o político Dick Cheyne em "Vice" (Foto: Divulgação)

Ainda encarada como uma prévia do Oscar, mesmo que seus resultados costumem ser distintos, a láurea é dada anualmente pela HFPA, grupo de correspondentes estrangeiros radicados em Los Angeles. E a instituição (com cerca de 90 membros de 55 países) endossa o atual estado de coisas da Meca do entretenimento: valorizar tramas populares, as boas ações (representadas por personagens em rota para a integridade), o multiculturalismo e as veredas abertas pela Netflix. Não por acaso, um dos filmes mais badalados com a grife da letra N, “ROMA”, do cineasta mexicano Alfonso Cuarón, ganhador do Leão de Ouro em Veneza, está no páreo por três Globos (os de filme estrangeiro, direção e roteiro). É o mesmo número de estatuetas a que “Pantera Negra” – blockbuster vindo das HQs com faturamento estimado em US$ 1,3 bilhão – recebeu, brigando pelos prêmios de melhor filme (drama), trilha sonora e canção (“All the stars”).

Entre os competidores falados em línguas distintas do inglês, entraram, além do México (com “ROMA”), o Japão (com “Assunto de família”, a Palma de Ouro do ano), a Bélgica (com “Girl”, sobre uma bailarina trans), a Alemanha (falando do universo das artes plásticas, à sombra do nazismo, em “Nunca deixe de lembrar”) e o Líbano (com o melodrama “Cafarnaum”, sobre um menino que processa os pais). Carlos Diegues e seu “O Grande Circo Místico” não vão disputar o prêmio, mas o longa do realizador alagoano ainda pode ir ao Oscar, que divulga quais serão seus concorrentes no dia 22 de janeiro, realizando a entrega de suas estatuetas no dia 24 de fevereiro. Tudo vai depender de lobby. No caso dos concorrentes americanos... tudo depende da votação dos sindicatos de cada classe - sobretudo o sindicato de atores, o Screen Actors Guild, e o de produtores, o Producers Guild, pois estes são a massa votante mais expressiva da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.

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Marvel pode levar o Globo de Ouro de melhor animação com "Homem-Aranha no Aranhaverso" (Foto: Divulgação)

A grande surpresa deste Globo de Ouro está na categoria longa de animação, que abriu as portas para a Marvel, com “Homem-Aranha no Aranhaverso” (uma aventura com o mascarado negro Miles Morales) e abraçou uma produção japonesa: o desenho “Mirai”, de Mamoru Hosoda, um dos títulos mais aclamados do Festival de Cannes. “Tito e os pássaros”, aventura animada de CEP brasileiro, era um possível indicado, mas não teve tanta sorte. Quem sabe no Oscar...

Fora cinema, o Globo de Ouro também coroa o melhor da TV... e das séries via streaming, o que justifica, entre os concorrentes, a presença da Netflix (com a pérola cômica “O Método Kominsky”) e da Amazon (via “The marvelous Mrs. Maisel”), sendo que uma joia do canal Showtime, “Kidding”, de Michel Gondry, estrelada por Jim Carrey, também cravou indicações para si.

*Roteirista e crítico de cinema

Divulgação - Marvel pode levar o Globo de Ouro de melhor animação com "Homem-Aranha no Aranhaverso"