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Nomeação de representantes da Netflix e de emissoras de TV para órgão consultivo irrita diretores independentes

Divulgação -
Lacerda vê indicações de representante da Netflix para o conselho de cinema como uma rendição a interesses externos
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O mundo do cinema está em pé de guerra depois que o governo federal nomeou os novos integrantes do Conselho Superior de Cinema. O decreto assinado pelo presidente Michel Temer, na edição de segunda-feira do “Diário Oficial da União”, indica representantes de teles, distribuidoras, emissoras de TV, grupos internacionais como Netflix e exclui associações representativas dos realizadores, sindicatos da indústria, dos trabalhadores e da infraestrutura, denuncia o cineasta Luiz Carlos Lacerda.

“Eles darão continuidade ao atendimento dos interesses das distribuidoras americanas e seus lacaios”, ataca o realizador.

“Cinquenta anos de lutas para garantir conquistas como a reserva de mercado foram derrubadas com uma canetada na calada da noite”, critica. “Colocar alguém da Netflix no Conselho é como se alguém colocasse um representante da Shell no Conselho da Petrobras”, dispara.

Uma das entidades excluídas da composição é a Associação Brasileira de Cineastas (Abraci), que congrega a categoria no Rio de Janeiro. Para o cineasta Daniel Caetano, a nomeação é inconstitucional: fere a Medida Provisória 2228, que criou a Ancine e o Conselho Superior ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. “Se alguém entrar com uma liminar, esse decreto não se sustenta”, adverte.

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Lacerda vê indicações de representante da Netflix para o conselho de cinema como uma rendição a interesses externos (Foto: Divulgação)

A ilegalidade, aponta, é que a MP determina que, na composição do conselho, deve haver seis representantes do setor e três da sociedade civil como titulares, com seus respectivos suplentes. Ocorre que um dos cineastas que o integra – Bruno Barreto - foi reconduzido na chamada cota da sociedade civil. “Ele não é um representante do setor. Não fala pelos cineastas independentes”, protesta.

“Oficialmente, não há cineastas no conselho. O ministro (Sérgio Sá Leitão, da Cultura) aproveita o fim de governo para mostrar seu ressentimento. Possivelmente, o presidente embarcou nessa sem saber de nada”, avalia Caetano, acrescentando que Sá Leitão não dialogou seriamente com o setor. “Ele disse ter realizado consultas com as entidades, mas as indicações não foram acolhidas”.

Consultora de audiovisual há mais de 30 anos, Vera Zaverucha entra no debate. “Entendo duas coisas. Políticas de produtores independentes estão longe de acontecer ali dentro (do conselho) e a briga agora é de cachorro grande, sem muito espaço para discussão de obrigatoriedades de obras brasileiras”, critica em seu blog Desvendando a Ancine.

O Conselho Superior de Cinema é composto por nove titulares e novo suplentes. Os titulares são: Eduardo Levy, presidente-executivo do SindiTelebrasil; Mauro Alves Garcia, produtor; Simone Mendonça, produtora; Ricardo Difini Leite, exibidor; Márcio Fraccaroli, distribuidor; Hiran Silveira (diretor da Record); Marcelo Bechara (Grupo Globo e Abert); Paula Pinha (Netflix); e Bruno Barreto, cineasta. Os suplentes são: Leonardo Edde, produtor; e Luiz Alberto Rodrigues, produtor e distribuidor. Marcos Bitelli, advogado da TAP, teles e exibidores. José Maurício Fittipaldi, ligado aos estúdios internacionais; Fernando Magalhães, diretor de programação do grupo Claro Brasil e diretor da ABTA (TV paga); Leonardo Furtado Palhares, advogado que representa a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico; e Paulo Roberto Schmidt, produtor; Sandro Manfredi (presidente da Abragames); Renato Barbieri, cineasta.

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Sérgio Sá Leitão alega ter feito consultas ao setor (Foto: Divulgação)

O perfil dos integrantes gera suspeição dos realizadores. “O Difini é um exibidor de cinema, o primeiro a entrar com uma liminar contra a cota de tela para filmes brasileiros. O Fraccaroli é o dono da Paris Filmes”, ataca Lacerda.

De acordo com Vera Zaverucha, o que está em jogo é a ambição das teles em participar do mercado de produção de conteúdo – o que hoje é vetado pela lei 12.485/11 - e a briga das radiodifusoras que, repudiam essa tentativa. “A questão deixa de ser técnica para virar politica, cada vez mais afastada das análises de impacto regulatório da agência que deveria conduzir muitas destas questões”, comenta a especialista, para quem a discussão entre players do mercado é necessária e saudável, desde que seja num ambiente técnico e não politico. “Nossa politica pública não pode ser influenciada pelo que pensa a Netflix”, observa.

Em nota, o Ministério da Cultura informa que solicitou formalmente a 49 entidades do setor indicações de representantes para o órgão colegiado e que dessas 38 fizeram indicações. “Todos os escolhidos foram indicados por entidades que atuam no Brasil e representam segmentos importantes da atividade audiovisual. O objetivo foi compor um Conselho representativo da diversidade do setor, considerando todos os elos de suas cadeias de valor”, diz o texto. Ainda de acordo com a nota, Bruno Barreto não é o único representante dos realizadores no órgão. “Há cineastas e produtores independentes indicados por entidades como Bravi, Conne, Fames, sindicatos das indústrias audiovisuais do Rio e de São Paulo, Abragames e Apro, entre outras”, destaca o comunicado, acrescentando que o suplente de Barreto, Renato Barbieri, também tem filmes dirigidos em seu currículo, assim como Beto Rodrigues.

Divulgação - Sérgio Sá Leitão alega ter feito consultas ao setor