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Sem abraço, sem abrigo: confira a crítica de 'A voz do silêncio'

Divulgação -
Arlindo Lopes interpreta um rapaz soropositivo
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Realizador do experimento poético “De Glauber para Jirges” (2005), André Ristum rodou o mundo fazendo cinema, chegando a participar, como assistente de produção, de projetos de mitos de fama planetária como Bernardo Bertolucci (“Beleza roubada”) e Sylvester Stallone (“Daylight”). Mas foi em São Paulo que este estudioso dos abraços familiares partidos ergueu sua mais sólida edificação cinematográfica: “A voz do silêncio”, um “filme coral” sobre pessoas que conjugam o verbo “perder” nas mais variadas desinências, passando sempre pela primeira pessoa do singular. O conceito de “filme coral”, refinado a partir de “Short cuts – Cenas da vida” (1993), é usado para longas-metragens nos quais núcleos de personagens sem conexão colidem a partir de um incidente ou de uma simples virada de esquina, como se vê em sucessos como “Babel” (2006). Aqui há um eclipse. Mas o fenômeno astronômico é mera formalidade: são as ruas e os metrôs de Sampa que conectam uma gente sofrida, na fina montagem de Gustavo Giani, que evita trombadas bruscas e valoriza esbarrões discretos numa linha que lembra a estética do mestre japonês Hirokazu Koreeda (de “Ninguém pode saber”). O sushiman que faz bico de porteiro para custear seus estudos (vivido por Claudio Jaborandy) tem tanto peso nesta trama de múltiplos vértices afetivos como a velha senhora que sofre pela decisão de ter abandonado o filho soropositivo (papel de Marieta Severo, numa poética erosão de si mesma em cena). Pesos e medidas se equilibram na cartografia do abandono que alinha o trabalho de Ristum, coroado com o Kikito de melhor direção em Gramado. Sua apoteose se dá na cena de uma balada improvisada, na qual um operador de telemarketing com HIV (o ator Arlindo Lopes, com as vísceras saindo pelos poros), isolado do mundo por angústias particulares, ensaia uma saída do armário – e da autocomiseração – afogando o passado em cerveja, tequila, beijo na boca e choro mudo. Ali o silêncio de SP grita. E o Brasil geme com ele.

*Roteirista e crítico

Macaque in the trees
Arlindo Lopes interpreta um rapaz soropositivo (Foto: Divulgação)

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A Voz do Silêncio: **** (Muito Bom)

Cotações: o Péssimo; * Ruim; ** Regular; *** Bom; **** Muito Bom