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O veterano e os jovens gigantes

carolina miranda -
Hancock, em excelente forma, fez a festa dos fãs na chuvosa noite de se
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Na feira de Herbie Hancock no Rio teve melão, mas faltou a melancia. O setlist que o grande mestre do jazz apresentou no KM de Vantagens Hall na noite de segunda-feira deixou de fora o clássico “Watermelon man” (1962) – mas foi encerrado de forma muito refrescante com “Cantaloupe Island” (1964), outra de suas peças mais famosas. Trocadilhos hortifrutigranjeiros à parte, não há o que reclamar da generosidade do músico americano. Pilotando um quinteto de músicos bem mais jovens que ele (“Os jovens gigantes do jazz”, conforme o músico de 78 anos os apresentou), Hancock resumiu bem a enorme contribuição que fez à evolução do gênero. Ativo desde o começo da década de 1960, HH passou pela banda de Miles Davis, consagrou-se como compositor de trilhas e desbravou, nos anos 70 e 80, as ainda inóspitas trilhas nas quais o jazz se mesclava com outros estilos. Dos malabarismos harmônicos do fusion ao balanço hipnótico do jazz-funk, passando pelo encanto com a MPB, só faltaram mesmo as incursões mais eletrônicas da década de 1980.

Já na primeira música, a apropriada “Ouverture”, o mestre e seus pupilos dizem a que veio. Começa devagar, envolvente, mas não demora a engatar num groove sólido, propelido pelo baterista Justin Brown e pelo baixista James Genus. A formação que acompanha Hancock é, à primeira vista, idiossincrática. No lugar tradicionalmente ocupado pelos metais, há um vocalista, Michael Mayo, e um gaitista, o suíço Grégoire Maret; os dois não apenas preenchem as posições harmônicas do sax e do trompete, mas exibem desenvoltura notável nos solos. Mayo, o mais jovem da banda, ganha um belo momento solo no fim do show. Sua performance em “Alone together” é arrepiante, com a voz multiplicada por efeitos e ecos. “Vocês não vão acreditar que ele faz isso tudo sozinho”, disse Herbie ao introduzir o número. Sobre Maret, gaitista endiabrado que brilhou nos duelos improvisados com o piano de Hancock, o bandleader brincou: “Que tal esse cara? E ele nem é de Chicago!”

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Hancock, em excelente forma, fez a festa dos fãs na chuvosa noite de se (Foto: carolina miranda)

É essa a galera que faz a cama para Herbie soltar os bichos, recorrendo mais ao pianão Yamaha que ao sintetizador Korg. São poucas músicas – mas todas bem esticadas – “Actual proof” (1974), um dos temas mais característicos da fase jazz-funk do músico, é recriado com direito a longos solos interpostos de cada um dos músicos. A conhecida identificação com a música brasileira se faz presente na palinha de “Ponta de areia”, de Milton Nascimento, mais uma oportunidade para Mayo voar alto. Em “Secret source”, Herbie supre a ausência de um guitarrista empunhando uma keytar branca (aquele sintetizador tocado a tiracolo) e solando de forma empolgada, em contrapontos com a gaita de Maret. “Foi divertido. Foi difícil também!”, exclamou ao final da performance. Quase octogenário, testemunha ocular de diversas revoluções no mundo do jazz, Herbie Hancock ainda está em excelente forma física. E musical.

*Jornalista https://medium.com/telhadodevidro