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Agnès Varda em ação pra lá de Marrakech

Festival no Marrocos reverencia a carreira da premiada diretora belga, que, prepara um longa-metragem documentando uma viagem de Paris à China, passando pelos EUA

Divulgação -
Agnès Varda brinca com a própria imagem em cena de "Visages, villages", feito em parceria com o fotógrafo JR e recebeu o troféu LOeil dOr, em Cannes
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Terminado o Festival do Rio - que encerrou ontem sua temporada regulamentar de 2018 e abre hoje uma seleção de repescagem, com cults como o iraniano “3 faces” e o polonês “Guerra Fria” até quarta - o circuito internacional de mostras competitivas de cinema segue adiante, agora atraindo os holofotes da mídia para o Marrocos. Vem aí a 17ª edição do Festival de Marrakech (30 de novembro a 8 de dezembro), que promete um presente à cinefilia mundial, ao passar em revista a obra de uma pioneira da modernização política e narrativa da produção audiovisual: a nonagenária cineasta Agnès Varda.

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Agnès Varda brinca com a própria imagem em cena de "Visages, villages", feito em parceria com o fotógrafo JR e recebeu o troféu LOeil dOr, em Cannes (Foto: Divulgação)

Ela vai ser homenageada com direito a palestra e retrospectiva: “As duas faces da felicidade” (Prêmio Especial do Júri no Festival de Berlim de 1965) e “Os renegados” (Leão de Ouro em Veneza, em 1985) estão entre seus filmes mais famosos, já na mira do evento marroquino. Aos 90 anos, a diretora de “Visages, villages” (produção feita em parceria com o fotógrafo JR, laureada com o troféu L’Oeil d’Or, a Palma de Ouro dos documentários, em Cannes em 2017) ganhou, há cerca de um ano, o Oscar honorário pelo conjunto de uma carreira iniciada em 1954. Depois da estatueta, ela vem recebendo tributos pelo mundo afora, como este de Marrakech, e tem aproveitado essas viagens para idealizar um novo projeto, a ser produzido por sua filha, Rosalie Varda, e codirigido por Didier Rouget. Em 2019, ela espera lançar um longa-metragem, ainda sem título, que registra uma jornada dela de Paris até Los Angeles e, de lá, pra China, passando em revista 60 anos de imagens produzidas a partir de um instinto autoral.

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A venerada cineasta, hoje com 90 anos, já está pensando no novo filme, que pretende lançar no próximo ano (Foto: Divulgação)

“Tenho a consciência de que os brasileiros vêm passando maus bocados na política e, embora não esteja tão próxima para opinar sobre as razões desse turbilhão, lembro que resistir ainda é uma forma poética de se expressar. Em 1968, era o que a gente mais fazia, entre filmagens e conversas sobre grande diretores. Cinema é pra ser vivido e essa vivência envolve levar o mundo para os sets, para os diálogos, para as conversas ao fim dos filmes”, disse Agnès ao JORNAL DO BRASIL, em recente conversa na Espanha, em meio ao lançamento de “Visages, villages” na Europa. “A função social de um artista é investigar a brutalidade e a beleza, para instigar a emoção e o pensamento. Intervir na sociedade pela expressão poética é parte do processo de criação e faz do cinema uma ferramenta de denúncia e de transcendência”.

Em várias enquetes respeitadas de melhores filmes de todos os tempos, encontra-se o nome de Agnès, quase sempre representado por “Cléo das 5 às 7” (1962), lançado no ápice da Nouvelle Vague (o movimento que modernizou a maneira de se filmar na França, a partir de um engajamento com os pleitos revolucionários do período, revelando gênios como Truffaut, Godard, Chabrol). Este manifesto da força feminina, indicado à Palma de Ouro, entrou na lista dos cem maiores longas de língua não inglesa apurado pela BBC de Londres, com mais de 200 críticos do planisfério cinematográfico todo – incluindo votantes do JB. O recorrente (e merecido) carinho dos críticos com Agnès é uma gratidão à sua contribuição para novas (e livres) formas de representação da mulher no cinema. “Venho de uma época em que eu era a única cineasta em atividade num ciclo cheio de homens. Cá entre nós, acho que o número atual de mulheres cineastas ainda é muito aquém do que a arte e o mundo. Meus filmes são femininos e aportam à realidade a percepção de que as mudanças são graduais e que dependem da integração de todos”, disse Agnès em um recente colóquio em San Sebastián. “O mais bonito de se fazer um documentário é buscar o que há de poético na vida, abrindo os olhos diante dos em enigmas que a realidade nos apresenta cotidianamente”.

Além de Agnès, o Festival de Marrakech vai homenagear a atriz Robin Wright, atual estrela da série “House of Cards”, e o ator Robert De Niro, que está finalizando o esperado filme de máfia “The irishman”, de seu parceiro de múltiplos sucessos Martin Scorsese. Aliás, o mítico diretor também vai ao evento, para uma palestra sobre sua estética e sobre a arte de produzir filmes. O evento terá o cineasta James Gray (“Z: A Cidade Perdida”) como presidente de seu júri, para analisar uma série de longas-metragens em concurso. Os competidores serão anunciados nos próximos dez dias, assim como a mostra local de filmes árabes. A atração de abertura ainda não foi anunciada.

* Roteirista e crítico de cinema

Divulgação - A venerada cineasta, hoje com 90 anos, já está pensando no novo filme, que pretende lançar no próximo ano